As cores da primavera brilhavam: azuis da cor de ovos de melro, amarelos como os da flor de narciso e verdes suculentos, equilibrados por reflexos distantes da areia e da espuma marinha. Sempre que parava para pedir informações na estrada que leva a St. Ives, a cerca de cinco horas e meia de Londres, alguém com sotaque da Cornualha me incentivava a continuar subindo a estrada, até finalmente alcançar o portão do Leach Pottery, o histórico estúdio de cerâmica fundado no local em 1920.
Mesmo na velha oficina, cores semelhantes parecem ser recorrentes em meio à iluminação fraca. Com o mesmo tom de verde das vastas palmeiras da cidade, um letreiro escrito à mão, parcialmente escondido entre as rodas e ferramentas dos ceramistas, exibia apenas uma palavra, "Tranquilidade", enquanto o mestre ceramista do estúdio, Jack Doherty, falava sobre seu trabalho.
- Espero que as cores representem o local, o céu, o mar e o granito e as rochas da região - disse Doherty tranquilamente, como se recitasse uma antiga prece. - E os mouros - ele concluiu.
Situada no remoto sudoeste da Inglaterra, onde os dedos estendidos da Cornualha invadem o Atlântico, St. Ives é um ótimo lugar para quem quer fugir de Londres, tanto por sua espetacular paisagem litorânea quanto por suas atrações artísticas de alto nível, como uma filial do museu Tate, de Londres, várias galerias comerciais, o museu Barbara Hepworth, localizado no antigo estúdio da grande escultora britânica, e o Leach Pottery, que reabriu em 2008 depois de um projeto de restauração que custou 1,7 milhão de libras.
A viagem de trem a partir da estação Paddington, em Londres, oferece vistas em alta velocidade do mar aberto, das florestas e dos pastos verdejantes divididos por velhas sebes. Só o trajeto já parece justificar o preço da passagem. Além disso, o serviço constante de vagões-leito oferece a chance de fazermos a viagem enquanto sonhamos, deixando Londres antes da hora de dormir, à meia-noite, e chegando em St. Ives a tempo de tomar o café da manhã.
Para a minha programação, a viagem diurna foi a melhor escolha. Depois de um animado mas exaustivo final de semana urbano, fiquei feliz em conseguir um assento no vagão tranquilo do trem matinal, que parecia deixar para trás o agito e o estresse da cidade grande a cada quilômetro silencioso percorrido. Paisagens costeiras passavam em um dos lados, enquanto, do outro, eu admirava os pacíficos cenários pastorais e, ocasionalmente, uma casa de campo. Quando o pequeno trem de conexão de dois vagões, que faz o rápido trajeto desde a cidade vizinha de St. Erth, cruzou a ponta da baía azul escura em direção aos antigos chalés de pedra dos pescadores de St. Ives, eu alcancei um estado zen que dificilmente sentiria na capital.
Surfe e gastronomia
Foto: Luke Tchalenko/ NYTNS
Como um dos mais famosos pontos de surfe da Inglaterra, a reputação da praia Portmouth concorre com a fama artística da cidade, pelo menos entre os surfistas.
Do outro lado da cidade, ou seja, a 10 minutos de distância, admirei o arranjo de martelos, cinzéis e lixas de Barbara Hepworth, armazenados em sua oficina, do mesmo jeito que ela os deixou, junto com enormes blocos de pedra que esperavam pacientemente para que as esculturas dentro deles fossem libertadas. Estudantes de arte vagavam pelo jardim de esculturas do museu, esboçando as enormes obras em seus cadernos e fotografando uns aos outros entre vinhas, bambus e plantas tropicais.
Embora a maioria dos turistas visite St. Ives pela arte e pelas paisagens, a mistura de habitantes locais, sufistas e frequentadores de galerias também inspirou uma culinária bastante vibrante.
Orgulhosos de sua tradição córnica, muitos dos melhores restaurantes dão destaque aos ingredientes regionais. Lembrando o fervor de Londres por hambúrgueres sofisticados, minha primeira paixão culinária ocorreu no Blas Burgerworks, um quiosque portuário estiloso com mesas comunais, um cardápio limitado e um nome inspirado na palavra córnica que significa "sabor" ou "saborear". A princípio, desconfiei um pouco do prato do dia, possivelmente por causa do preço: um cheeseburger de cogumelos por 10,50 libras, sem batatas fritas. Mas o slogan pintado na parede, "Hambúrgueres para pessoas que se importam", e a ênfase orgulhosa nos produtos regionais, como as "vacas criadas em Pendeen e as batatas cultivadas perto de Marazion", me conquistaram.
Fui conquistado também pelo próprio hambúrguer, uma obra-prima de carne moída, que combinava os sabores defumados e encorpados da carne e do queijo com uma vasta variedade de texturas contrastantes: o pão macio, os cogumelos suculentos, a carne tenra e a alface crocante. Nem foi preciso perguntar de que tipo o queijo que derretia untuosamente sobre os cogumelos aromáticos com gosto de alho e estragão.
- É o Cornish Blue. Ele foi eleito o melhor queijo do mundo há alguns anos - disse a mulher atrás da grelha.
Personagens
Foto: Luke Tchalenko/ NYTNS
O ponto mais emocionante foi conhecer personagens locais e admirar a arte e a arquitetura, quer em uma caminhada pelas ruas estreitas e labirínticas ao redor do cais, em uma visita a uma galeria ou um museu, ou desbravando de uma das passagens, parecidas com túneis, entre os chalés da cidade. Na orla, entrei em um antigo edifício de pedra, a Porthminster Gallery, em Westcott's Quay, com pés-direitos impressionantemente baixos, uma umidade palpável e uma quantidade quase desconcertante de imagens reconhecíveis.
Eu já havia visto os charmosamente desconstruídos vasos de Carina Ciscato em uma capa de revista, e um esboço em outra parede era assinado por Ben Nicholson, que foi casado com Barbara Hepworth. Havia também uma obra abstrata de Patrick Heron, cujo retrato de T.S. Eliot está exposto na National Portrait Gallery. É estranho encontrar nomes tão importantes em um lugar tão frio e abafado.
- Esta galeria costumava ser um antigo armazém de sardinhas. É por isso que o local é tão frio - explicou um dos seus donos, David Durham, referindo-se ao peixe que, junto com a mineração, sustentou a cidade durante séculos.
Apesar da sua localização remota de fim de mundo (Land's End, o local mais a oeste do território continental da Inglaterra, fica a apenas alguns quilômetros de distância), St. Ives transmite uma sensação impressionante de acessibilidade.