Nos últimos dias, uma vira-lata atraiu olhares no litoral gaúcho. Quem vê Hope, de seis meses, usando a força das patinhas para apreciar uma espiga de milho na beira da praia de Imbé, no Litoral Norte, não imagina que ela quase não sobreviveu aos primeiros dias de vida.
A cachorrinha foi encontrada tão debilitada, em agosto de 2022, que recebeu diagnóstico de hidrocefalia, cegueira e surdez. Ela não conseguia puxar o leite da mãe nem se equilibrar sobre as patinhas. Quando os irmãos tinham mais de um quilo, ela pesava menos de 200 gramas. Resgatada pela protetora Deise Falci, a cachorrinha aproveita dias de folga na praia e encanta veranistas.
Animada, Hope corre ao encontro de famílias pela areia, colecionando cafunés a cada guarda-sol. Em uma dessas tardes na praia de Imbé, seu paladar surpreendeu a tutora.
— Eu estava com minha afilhada na praia, ela recém tinha comido milho e colou a espiga numa sacolinha para depois levar ao lixo. Dali a pouco olho para o lado e a Hope tinha puxado da sacola, se agarrado na espiga, não largava mais. Achei graça e fui comprar outra para ela, pedi sem sal e manteiga. Achei que ela não ia querer, mas amou, comeu inteirinho. Acho engraçado porque sou fanática por milho, venho para praia mais por ele do que pelo mar e, agora, ela também ama — conta Deise.
Com as patinhas, Hope equilibrava a espiga, no colo de Deise ou sozinha na cadeira. A cena chamou atenção de veranistas. Donato Kaercher, 54, que mora na praia, observava o lanche da cachorrinha de longe:
— Um cachorro comendo espiga de milho assim, agarrado, nunca tinha visto. E olha que moro aqui na praia. Achei sensacional, ela parece adorar. A gente estava olhando também a sensibilidade da moça que está com ela, o cuidado dela. Uma cena linda mesmo.
Além de Hope, outros dois cães de Deisi também passaram o dia em Imbé: Stella, 10 anos, e Dumbo, 14. Ambos também foram resgatados e adotados pela cuidadora, que mantém um sítio com mais de 300 animais disponíveis para adoção. A história deles é o trabalho da protetora é compartilhado nas redes sociais por ela.
Conforme o veterinário Renan Stadler, a ingestão de milho é permitida aos peludos. Ele contém vitamina E e do complexo da B, além de potássio. O alimento inclusive compõe a lista de ingredientes de boa parte das rações comerciais de cães. Mas Stadler ressalta alguns cuidados:
— Não tem problema, desde que seja servido sem temperos, como sal, que faz mal para os cães, e sem exageros, porque é um alimento calórico. Sempre que damos algo novo a eles, o ideal é que seja aos poucos, para ir conhecendo o apetite do pet. Também vale ficar de olho se for servir o milho na espiga, tem alguns cãezinhos mais agitados que exageram na mordida e acabam comendo pedaços dela junto, o que pode causar problemas como obstrução.
Resgate marcante
Atuando no resgate de cães abandonados desde 2008, Deise conta que a história de Hope foi uma das mais marcantes que acompanhou. A cachorrinha foi encontrada em uma noite de agosto perto do sítio da protetora. Hope estava dentro de um caixa com mais cinco irmãos, além da mãe, que não conseguia produzir leite por também estar debilitada. Dois filhotes já estavam mortos quando o resgate ocorreu.
Hope estava em estado mais crítico: era menor que a mão da protetora. Mesmo depois que a mãe dela voltou a amamentar, a filhote não tinha força para puxar o leite.
— Ela tinha uma diferença absurda de tamanho em relação aos irmãos. Não escutava, não enxergava, não se equilibrava. Tinha a cabeça maior do que o resto do corpo, juntava todas as características de hidrocefalia, e foi diagnosticada assim.
Deise lembra que passou 27 dias junto de Hope, com cuidado em tempo praticamente integral. A cachorrinha recebia leite na mamadeira e dormia junto da protetora.
— Eu criei ela na mamadeira. Levava para todos os lugares para cuidar, alimentar. Ela dormia numa caixinha do lado do meu travesseiro. Se ela adormecia por cinco minutos, eu já ia ver, achava que tinha morrido. Foi um cuidado exclusivo, mas ela melhorou — relata Deise.
Precisou de quase um mês para que a vira-lata conseguisse se alimentar sozinha pela primeira vez. Hope ainda levou algumas semanas para passar das 200 gramas e três meses para se equilibrar sobre as patas e andar. Agora, está saudável, completou seis meses em janeiro e pesa 3,9kg. Seu nome significa esperança, em inglês.
A onda de energia positiva enviada a cachorrinha pelas redes sociais de Deise deu certo, e toda a família foi adotada. A dúvida agora é se a pequena também entrará para adoção ou se vai se juntar definitivamente à família da protetora:
— É complicado eu adotar porque já tenho muitos para dar atenção, mas a gente não manda nessas coisas, nos apegamos muito. Ela dormia comigo, virou a minha vida por um mês, é uma cachorrinha muito especial. Ainda estou pensando — diz Deise.