Eram 19h22min de segunda-feira (9) quando o sol desapareceu completamente no horizonte, colorindo o céu de Tramandaí com diferentes tons de amarelo, laranja, rosa, roxo e azul. Em cima da plataforma marítima da cidade do Litoral Norte, alguns pescadores esperançosos mantinham seus caniços instalados na beirada da estrutura. Outros já recolhiam seus materiais ou limpavam os peixes que conseguiram pegar durante o dia.
O intenso vento que marcou aquela noite no local não foi capaz de espantar um trio que se deslocou de Osório até Tramandaí para pescar. Ainda não havia escurecido completamente quando os irmãos Richard Nikolas de Camargo Lourenço, 24 anos, e Michael Douglas de Camargo Lourenço, 29, chegaram ao clube, acompanhados do amigo de infância Cassiano Araújo Guatimosin, 27.
Por volta das 20h, começaram a preparar as linhas e varas, e, minutos depois, já haviam instalado seis caniços pela beirada da plataforma. O trio costuma pescar duas vezes por semana por ali, sempre à noite. Raramente, eles vão ao local aos sábados, durante o dia ou de madrugada, para ficar até domingo de manhã.
— É o horário que dá, por causa do serviço. Normalmente, a gente trabalha até 18h e depois, à noite, vem para cá. Ficamos até meia-noite ou 1h. É um hobby nosso. Somos associados há pouco tempo, mas a pescaria vem desde pequeno — explica Richard.
De acordo com o pintor, um outro amigo se associou primeiro, então todos decidiram se reunir na plataforma, que é um lugar mais calmo, limpo e seguro. Em Osório, o trio às vezes pesca em lagoas, mas também tem a plataforma como local preferido. As datas dos encontros são combinadas conforme a disponibilidade de cada um, em um grupo de WhatsApp criado exclusivamente para conversas sobre a atividade.
Com um copo de café preto em mãos, Richard garante que o cansativo da rotina é trabalhar, não pescar:
— A pescaria é um hobby para relaxar, aí, fica mais tranquilo. Gostamos muito. Fomos criados com familiares que moram em beira de lagoa, então desde pequeno fomos acostumados a pescar. Acho que a partir dos 10 anos eu já pescava.
O pintor conta que outros amigos também costumam frequentar a plataforma, o que torna a atividade ainda mais legal — mesmo que o número de peixes não seja significativo. Segundo ele, a cada 10 pescarias, uma resulta em peixes.
— É pelo peixe a pescaria, gurizada, ou é pela pescaria mesmo? — pergunta Richard ao irmão e ao amigo.
— É pela pescaria. Se fosse pelo peixe, a gente comprava — responde a dupla, aos risos.
Em dois meses como associado, o pintor conseguiu pegar uma corvina de sete quilos, o que considera um “troféu”, por ser o maior que já pegou na vida. Até as 21h, o trio conseguiu pegar somente um peixe, que era menor do que uma mão.
Questionado se o vento não incomoda, Richard destaca que o frio faz parte e que o grupo já foi pescar inclusive com chuva. Em função do amor pela atividade, ele garante que pretende levar o hobby para as próximas gerações, por isso, já trouxe o filho de um ano para conhecer a plataforma. O pai de Richard também planeja se associar ao clube para pescar com os filhos.
— Vamos trazer ele para ensiná-lo a pescar de novo, porque a hora que ele vir com o pessoal, já sabe pescar direitinho e já se enturma mais também. Eu já fiz novos amigos aqui, que pescam com a gente. Todo mundo é amigo aqui em cima — afirma o pintor.
— Para mim, a pescaria é um descanso e é sempre uma coisa nova. Pode vir um dia e não pegar peixe nenhum, pode vir no outro dia e também não pegar nenhum, mas tu vai vir no terceiro dia. Porque mesmo que não pegue nada, a pescaria é sempre uma coisa boa e relaxante, nunca desanima — acrescenta Richard.
Em todas as horas
Por volta das 20h, José Rottini, 69 anos, já ajeitava suas coisas para ir embora no dia da visita da reportagem.
— Agora o mar não está para peixe — reclamava, em tom de brincadeira.
Envolvido por conversas com outros frequentadores do local, o gaúcho morador de Bento Gonçalves deixou a plataforma quando o céu já estava bem escuro, apesar do horizonte ainda avermelhado. Com casa em Tramandaí, o funcionário público aposentado garante que passa meses no Litoral Norte com a família e que, em determinados dias, vai ao clube social dedicado à pesca esportiva nos três turnos.
Na última segunda-feira (9), ele havia ido à plataforma pela manhã, das 5h às 10h, e retornado no final da tarde. Na primeira visita do dia ao local, conseguiu diversas pescadas.
— Praticamente todo mundo que estava pescando pegou, porque de manhã cedo é cheio. À noite, já é mais difícil. O pessoal acompanha muito as condições do tempo, a temperatura e a cor da água, o vento, e isso tudo está relacionado à quantidade de peixes. Então, se o mar está para peixe, tem gente aqui. Mas sempre tem os teimosos — afirma Rottini, justificando o movimento tímido no local depois das 20h.
Sócio da plataforma há oito anos, o aposentado conta que sempre pescou, mas, enquanto trabalhava, faltava tempo para exercer a atividade. Além do espaço no clube, Rottini costuma pescar na Lagoa dos Patos, no Rio Uruguai e em outros pontos do interior do Rio Grande do Sul. O lugar preferido, contudo, é a plataforma de 365 metros de extensão, onde já fez muitos amigos de diferentes municípios gaúchos:
— Aqui é onde tu sofre menos. Tu chega aqui, pesca, almoça, bebe, se diverte. Aqui é sem estresse e sem sofrimento, não é como uma pescaria de rio. E não existe nada melhor do que a pesca. Pegando ou não pegando peixes, não muda nada, o importante é curtir isso aqui, relaxar, encontrar teus amigos e deixar o mundo lá fora. Para mim, aqui é um mundo à parte.
Aqui é onde tu sofre menos. Tu chega aqui, pesca, almoça, bebe, se diverte. Aqui é sem estresse e sem sofrimento, não é como uma pescaria de rio. E não existe nada melhor do que a pesca.
JOSÉ ROTTINI
Morador de Bento Gonçalves que pesca na plataforma de TRamandaí
De acordo com o aposentado, acordar às 5h para ir ao clube é bem melhor do que ficar dormindo. Ele afirma que também gosta de pescar à noite, mas ressalta que as condições do tempo precisam ser adequadas para que o pescador não desista — como fez na segunda-feira.
Apesar disso, relata que nem todos os dias são ruins, pois já chegou a pegar 180 papa-terras em apenas três turnos. O maior que já pegou na plataforma foi uma corvina de seis quilos.
De pai para filha
Morador de Osório, Marcelo Junges de Brum, 51 anos, se tornou sócio da plataforma em dezembro de 2022 e estava pescando pela primeira vez no local na segunda-feira, ao lado da filha adolescente. Assim como o trio, optou pela noite em função do horário de trabalho:
— Trabalha durante o dia e, à noite, a gente vem desopilar.
O gaúcho natural de Porto Alegre, que trabalha com distribuição de bebidas, conta que costuma pescar desde que tinha 11 anos e que, agora, passou o gosto pela atividade para a filha. Antigamente, pescava na plataforma de Cidreira e garante que não se importa com o vento, mesmo que atrapalhe um pouco para pegar peixes.
— A ideia não é pegar peixe, é justamente ter um momento para a cabeça estar conectada em outras coisas, não só naquele dia turbulento que a gente passa trabalhando. Aqui a gente consegue se desligar de tudo e se conectar em outra história, fugir um pouco da loucura do dia a dia e puxar um pouquinho o freio.
Além de relaxar, Brum destaca que a atividade também permite que ele curta um momento com a filha. Segundo o gaúcho, já faz alguns anos que os dois pescam juntos — o filho mais velho, entretanto, não gosta muito de pescaria.
História da plataforma
As obras da plataforma marítima de Tramandaí iniciaram em dezembro de 1969, a partir de um projeto comercial que faliu. Quase quatro anos depois, um grupo de cotistas se reuniu e fundou o clube social, que completará 50 anos no próximo 11 de junho, explica o presidente do local Hélio Cláudio Decamillis. Atualmente, a plataforma conta com cerca de 1,4 mil famílias associadas, o que resulta em torno de 5 mil frequentadores do local.
De acordo com o presidente, a plataforma fica aberta 24 horas para associados — o local ficou fechado apenas no período mais crítico da pandemia, quando foi preciso reduzir as atividades. Em todos os turnos, há pescadores utilizando o local, que possui restaurante, banheiros, áreas fechadas para descanso e espaços para limpar e lavar os peixes em sua extensão.
— Tem pessoas que vêm para cá e passam a noite aqui, a madrugada toda, porque fica muito bonito. Mas hoje a plataforma não é mais um clube de pesca, é um clube social que tem como principal atividade a pesca esportiva. Nosso interesse é reunir a família, por isso, há diferentes possibilidade de associação — afirma Decamillis.
O presidente destaca que todos os dias, no verão e no inverno, há pessoas pescando na plataforma — sendo a maioria idosos e aposentados. Mas crianças e jovens também utilizam o local. Para os menores, contudo, há algumas restrições para garantir a segurança.
— Todos pescam aqui e incentivamos muito as crianças. Às vezes, vêm famílias completas.
Qualquer pessoa pode se associar à plataforma e, conforme Decamillis, o clube investe em diferentes promoções para manter os sócios que estão em dia e também trazer novas pessoas. Além disso, quem não é associado pode pescar, a partir da compra de ingressos. Veranistas que quiserem apenas visitar o local também podem fazê-lo (veja mais detalhes abaixo).
Todos os anos, a plataforma em formato de “T” recebe em torno de 80 mil visitantes. Funcionários do local sempre acompanham as visitas, que duram 30 minutos, dando recomendações de segurança — identificados com adesivos colados à roupa, os visitantes não podem entrar nos braços do “T”, pois é onde os pescadores fazem o lançamento. No total, 20 pessoas trabalham na plataforma tanto na alta quanto baixa temporada.
— No inverno, o movimento de pescadores é o mesmo. A visitação que é mais intensa no verão — comenta o presidente.
A entrada de animais não é permitida na plataforma, que possui acessibilidade para deficientes físicos.
Serviço
- Endereço: Rua Solon Padilha, 388, Cruzeiro do Sul II, em Tramandaí
- Telefones: (51) 3661-1390 e (51) 3684-1390
- E-mail: atendimento@plataformadetramandai.com.br
- Visitação: 30 minutos, R$ 7 por pessoa – das 9h ao meio-dia e das 13h às 19h
- Não sócio: pesca por 24 horas com um caniço, R$ 110 por pessoa ou R$ 25 a hora (mínimo de três horas)