Do excesso de visitantes espalhados pelos quartos — ou dormindo em colchões na sala — às despesas que ninguém concorda em dividir. A música Casa de Praia, do nativista Ernesto Nunes, detalha o incômodo de quem é proprietário de um imóvel no litoral. Lançada há 20 anos, a canção é renovada a cada novo play nas plataformas digitais ou nos shows pelo Rio Grande do Sul, e em especial na chegada da temporada de férias.
De acordo com o cantor, os veranistas que se identificam com os versos se dizem "vítimas" de parentes que desaparecem nas demais estações do ano. A reportagem de GZH foi até o balneário Lagoa Jardim, no município de Torres, para conhecer a famosa residência que “se transformou num hotel de quinta categoria”, segundo a composição.
A construção de alvenaria tem quatro quartos, três banheiros e possui tijolos à vista decorando fachada e colunas da varanda. Erguida há três décadas, a residência, hoje, tem menos público.
— Sabe que depois que eu gravei a música, o chapéu serviu pra um monte de gente? Parentes que dirigiam 600 quilômetros pra me visitar não apareceram mais — brinca o gaiteiro.
Nunes conta uma história com ares de lenda, mas que ele jura ser verdade: outros moradores compraram seu CD para entregar aos visitantes indesejados, uma forma de educar o povo que não se manca. E não é que um companheiro da mesma rua da prainha tentou usar da estratégia? Sem sucesso.
— Eu colocava a música alta, achando que eles iam embora, mas era um povo tão cara de pau que decidiram ficar mais dias — recorda o advogado José Nelson Raupp, 67 anos, sobre as visitas que não conseguiu mandar embora.
A ideia transformar a rotina da casa em música partiu de uma conversa com amigos. Eles também compartilhavam relatos de dificuldade com os custos mensais da propriedade: água, luz, IPTU e reformas de manutenção. A “invasão” inesperada — e muitas vezes indesejada — garante boas risadas, principalmente para os que não têm esse problema.
Nunca pensei que eu tivesse
família tão grande assim
primos, cunhados e tios
um parentesco sem fim
Vinham matar a saudade
gente que lá na cidade
nunca lembraram de mim
Além de aumentar a despesa, o músico e a falecida esposa, Edimé da Silva Corrêa, companheira por quase 50 anos, precisavam servir a população que se mudava pra praia, situação relatada em outro divertido trecho:
Saía um e vinha outro
e a casa sempre lotada
areia por todo o canto
e roupa suja jogada
Minha mulher cozinhando
pra toda aquela cambada
todos comendo e bebendo
e ninguém pagando nada
O artista chegou a lançar uma continuação da música, batizada de Eu Vendi a Casa da Praia. O fato, porém, nunca passou pela sua cabeça, garante, pois lá pode aproveitar as filhas e o neto — agora com mais sossego.
Na manhã desta terça-feira (17), o músico residente de Caxias do Sul resgatou a memória dos ouvintes da Rádio Gaúcha, que relataram experiências semelhantes. Se emocionou ao saber da repercussão junto à audiência e até convidou a equipe da RBS para um churrasco.
— Mas não vão ficar muitos dias — ponderou.
Sentou no pátio e emendou a segunda versão da música, que inclui um amigo caxiense mais mão de vaca do que ele próprio:
Eu conheço em Caxias
um gringo muito legal
comprou a casa de praia
lá em Arroio de Sal
a "parentaia" desceram
na véspera do Natal
emendaram o Ano Novo
como fosse um festival
eu vi o gringo nos pranto
gritando "Ma Dio Santo!
vão ficar até o Carnaval"
Confira a entrevista de Ernesto à Rádio Gaúcha: