Casa no trailer, ou trailer na casa, não é uma metáfora para falar daquele idílico estilo de vida sobre rodas. Em campings do litoral norte do Rio Grande do Sul, há quem realmente tenha conjugado um e outro. No Lagoa e Mar, às margens da RS-030, em Tramandaí, proliferam estruturas em que o trailer é acoplado a uma casa, seja de madeira, seja de alvenaria. No veículo ficam os quartos. Na construção, a cozinha, a sala e o banheiro.
Os veículos já não transitam mais, embora mantenham suas rodas intactas. Quem vive assim ou mesmo veraneia desse jeito é chamado de "roda quadrada".
Ricardo e Lurdes Becker, de Estância Velha, no Vale do Sinos, costumavam passar o verão de trailer no Lagoa e Mar nos anos 1990. Queriam mais conforto, então compraram uma casa conjugada a um trailer no camping em 2004. Pagaram R$ 22 mil pelo veículo com dormitórios e mais o espaço com sala, cozinha, banheiro e outros dois quartos.
Com 68 e 64 anos, respectivamente, o casal de aposentados hoje tira férias com a comodidade que uma residência oferece mesmo no meio do mato, sem perder aquele espírito de liberdade que sempre está associado a um trailer.
– Não quero perder o ar de acampar, a essência do campismo. Eu adoro dormir nesse quarto com trailer. É estreito, mas tem tudo – diz Ricardo, que mostra à reportagem todas as funcionalidades que só esse tipo de veículo é capaz de oferecer.
Segundo ele, as casas com trailers se alastraram pelos campings após uma mudança no Código de Trânsito Brasileiro, em 1997, que impediu que motoristas com carteiras comuns de habilitação rebocassem esses veículos. A partir daquele ano, a permissão só foi dada para quem tivesse a carteira modelo E, para carretas e caminhões.
– Isso fez com que os trailers começassem a ficar estacionados nos campings. Então, começaram a construir mais coisas em volta dos trailers, recursos para que as pessoas acampassem melhor – explica Ricardo.
Só me tornei roda quadrada quando quebrei o pé, mas o trailer é minha cachaça. Representa liberdade. Aqui tem natureza, tem um lagarto que me visita todos os dias.
GUSTAVO PEDRO MAYA, 85 ANOS, QUE VIVE EM UMA CASA COM TRAILER
No Lagoa e Mar, há cerca de 60 casas com trailers, estima o atual gerente do camping, Trévor de Oliveira. Todas surgiram a partir de trailers que costumavam chegar para acampar, ficavam parados por muito tempo e, de repente, tinham uma casa ao lado.
– As pessoas passavam três, quatro, cinco anos com o trailer aqui. Mas ficava ruim no inverno, e daí fazia um toldinho. Depois fazia um banheiro do lado de fora. Quando via, tinha uma casa em volta do trailer. Todos aqui foram construídos assim – diz.
Aos 85 anos, Gustavo Pedro Maya vive sozinho em uma dessas estruturas do Lagoa e Mar. Já andou Brasil afora em cima de um trailer, na época acompanhado de esposa e filhos. Comprou o primeiro em 1978 - de lá para cá, teve cinco. Mas foi impedido de dirigir por conta de uma lesão no tornozelo direito, o que o fez vender seu último veículo.
Hoje é proprietário de um sexto trailer, que não gira mais, mas serve como extensão de sua residência adquirida há apenas dois anos por R$ 75 mil. Garante que prefere a vida dentro dos 35 metros quadrados, na companhia de bonsais, do que a ampla casa de 200 metros quadrados e piscina que a família mantém em Porto Alegre.
– Só me tornei roda quadrada quando quebrei o pé, mas o trailer é minha cachaça. Representa liberdade. Aqui tem natureza, tem um lagarto que me visita todos os dias. Quem gosta de morar em apartamento e frequenta shoppings em Porto Alegre não vai se acostumar com isso aqui – diz o supervisor de ensino do Senai aposentado.
Segundo Trévor, quem comprou casa com trailer tem direito ao veículo e à construção em si, mas não ao terreno. Pode revender a estrutura ou mesmo desmontar e levar tudo embora. No entanto, o Lagoa e Mar já não permite que novas estruturas sejam erguidas. Mas dá para alugar mediante diárias que variam de R$ 240 a R$ 400 na alta temporada.