Com nome em homenagem ao primeiro tropeiro a desbravar o Sul do Brasil, o farol Cristóvão Pereira resiste à distância, ao tempo e até ao vandalismo. E desafia os atuais visitantes que, assim como o antigo comerciante do século 18, precisam se aventurar pelas estradas de terra e de areia para chegar à torre erguida às margens da Lagoa dos Patos, em Mostardas, no Litoral Médio.
Se, antigamente, os tropeiros faziam o trajeto a cavalo pela região, agora são os veículos com tração 4x4 que costumam dominar a área. Basta sair do asfalto da RSC-101 e ingressar na estrada vicinal, distante 13 quilômetros do Centro de Mostardas, para entender o motivo. Pelo caminho, apesar de trechos mais enlameados, o cenário do Rincão de Cristóvão Pereira (nome da localidade) é de encher os olhos: campos verdejantes, lagoas e aves de diferentes espécies. Nada muito diferente das paisagens que fizeram o português se apaixonar pelo lugar.
E apesar de a região ter começado a ser habitada ainda no século 18, até hoje conta com casas distantes, na maioria fazendas e chácaras, permanecendo com uma paisagem bucólica só cortada pelo vaivém dos veículos. Quatro placas ao longo dos 31 quilômetros que separam a rodovia do farol indicam o caminho mais simples até a construção histórica. Depois da estrada de terra vermelha, os últimos cinco quilômetros são feitos pelas margens da Lagoa dos Patos.
Se o passeio for realizado no verão, vale parar para um banho nas águas límpidas e mornas antes ou depois de ir ao farol, já que na área dele a profundidade pode mudar conforme a época do ano, não sendo indicado o banho.
Na chegada ao Cristóvão Pereira, a obra impõe-se em meio à natureza. Durante o inverno, a península onde está o farol costuma ficar isolada pela água, formando uma ilhota. No verão, com a seca, é possível chegar de carro até os pés do prédio. Em fevereiro deste ano, GZH esteve no local. Por duas horas, o único contato com alguma pessoa foi por meio do radiotransmissor do repórter fotográfico Lauro Alves, ao conversar rapidamente com uma embarcação que passeava ao longo da lagoa.
Quando a equipe se preparava para retornar até a rodovia, ouviu o som de um carro se aproximando. Por vezes devagar e, em outras, aumentando a velocidade sobre a areia, tentava cruzar a trilha. Era o Corsa da família do auxiliar de serviços gerais Diones Santos da Silva, 39 anos, de Mostardas. Ao lado do filho, Leonardo Jesus Silva Santos da Silva, 16, da esposa, Lucimara da Rosa, 49, e do avô de Leonardo, Cláudio Miguel Alves da Silva, 66, Diones não se importou com o carro sem tração para apresentar o farol histórico ao adolescente.
— É a terceira vez que venho visitá-lo, mas a primeira com o meu filho. Nos finais de semana, costumamos percorrer os faróis e pontos mais importantes do litoral. É uma forma de manter viva a história da nossa região — contou Diones, que garantiu estar acostumado com as estradas exigentes da área.
— Antigamente, passava de barco por aqui quando íamos pescar. É o farol mais açoriano de Mostardas. Tem uma arquitetura muito bonita. Por isso, merecia ser melhor cuidado — acrescentou Cláudio Miguel.
Ao se despedir da reportagem, a família revelou que seguiria ainda até o farol Capão da Marca, em Tavares, distante 30 quilômetros pela beira da lagoa.
Importante para a navegação
Inaugurado em alvenaria em 8 de janeiro de 1861, um século depois da morte de Cristóvão Pereira de Abreu, o prédio tem 28 metros de altura. Entre 1858 e 1861, funcionou numa estrutura construída em madeira. Por um período, chegou a ser considerado o mais antigo farol do Estado. Porém, a historiadora Marisa Guedes, moradora de Mostardas e pesquisadora da região há mais de 35 anos, explica que muitos estudiosos não contavam os faróis provisórios. Anos antes, em 1849, por meio de uma lei, o vizinho Capão da Marca, em Tavares, iniciou os trabalhos numa torre de madeira. Sendo assim, passou a ser considerado o primeiro a ser erguido no Rio Grande do Sul.
Apesar da mudança da data histórica, a obra de Mostardas segue com relevância, pois faz parte do balizamento entre a entrada do canal da barra de Rio Grande até o porto de Porto Alegre, considerada uma das principais rotas para a economia da Região Sul do Brasil.
— Mesmo com o avanço da tecnologia na área da navegação ao longo dos anos, os faróis em geral ainda são de suma importância para a segurança da navegação, tendo em vista que, diante da falha de algum equipamento eletrônico a bordo das embarcações, o farol servirá para orientar tais embarcações, servindo também para embarcações menores desprovidas de tais tecnologias — explica o capitão-tenente Edilson José do Carmo, encarregado da Divisão de Sinalização Náutica da Marinha do Brasil.
Ataque dos vândalos
Em plena atividade, o Cristóvão Pereira continua funcionando por meio de painéis fotovoltaicos. Sem registros oficiais, a Marinha do Brasil apenas informa que o farol já foi “guarnecido” por faroleiros e suas famílias, mas não há registro histórico de quando deixou de ser ocupado. Em fotos do acervo do site Popa, feitas em 1950, o prédio está diferente do atual. Ainda havia figueiras no entorno dele e a casa do faroleiro.
Segundo Geraldo Knippling (falecido em 2000), que costumava navegar pela lagoa e escreveu o livro O Guaíba e a Lagoa dos Patos, o farol passou por uma reforma em 1992, quando a porta e as janelas foram fechadas com tijolo e cimento. Em 2004, um muro de pedras foi erguido no entorno.
Sem acesso interno para visitas, o prédio não deveria ter qualquer entrada. Mas os vândalos conseguiram abrir um buraco numa das paredes, por onde ingressam no térreo do prédio. Pela fenda, é possível ver escritos da década de 1980 nas paredes, que podem ter sido feitos antes do fechamento total da construção. O acesso aos demais andares da estrutura também está cimentado.
O encarregado da Divisão de Sinalização Náutica da Marinha do Brasil salienta que, apesar de ser alvo constante de ações de vândalos, o farol recebe inspeções periódicas a cada três meses, quando a Marinha recebe informações ou denúncias de vandalismo e também sempre que um navio da Marinha do Brasil passa ao largo durante ida a Porto Alegre.