No balneário mais meridional do Rio Grande do Sul e, consequentemente, do Brasil, quase não se vê brasileiros. Na Barra do Chuí, localizada a 32 quilômetros do Centro de Santa Vitória do Palmar e que faz fronteira com o Uruguai, são os hermanos vizinhos os que mais aproveitam as águas brasileiras do Atlântico que vão até o Arroio Chuí — do outro lado fica Barra del Chuy — em 13 quilômetros de orla.
Segundo a prefeitura de Santa Vitória do Palmar, durante anos, a praia da Barra foi tida como um balneário restrito à elite da cidade. Com o tempo, porém, passou a receber mais veranistas vindos do Uruguai e da Argentina, proporcionando um intercâmbio cultural nos meses de verão.
Com cerca de 700 habitantes durante o inverno, a Barra chega a 2 mil moradores durante a temporada mais quente. E a maioria são uruguaios que, mesmo neste período de pandemia de coronavírus, conseguem ingressar neste trecho de terra brasileira sem precisar apresentar testes para covid-19. O mesmo não ocorre com os brasileiros que tentam passar pela fronteira. Se não apresentarem o teste RT-PCR com até 48 horas de validade, são convidados a retornarem ao Brasil.
A equipe de reportagem de GZH visitou a Barra do Chuí nesta semana e conta como foi a experiência.
Mensagens nos molhes
Ao mesmo tempo um marco e uma obra geopolítica, os molhes da Barra do Chuí delimitam a fronteira Sul entre os dois países. Mas o que mais chama a atenção na montanha de tetrápodes (blocos pré-fabricados de concreto para estrutura hidráulica de proteção às ondas marinhas) são as mensagens positivas escritas em espanhol e português deixadas em cada peça. As marcas dos visitantes estão por todos os lugares e formam um colorido diferente em meio à paisagem cinza do concreto.
O local se tornou ponto turístico e um dos favoritos para fotos e também para pesca, de quem prefere passar algumas horas ao lado do Arroio Chuí, que nasce ao sul do banhado do Taim e corre paralelo à costa em quase todos os 66 quilômetros de sua extensão até desaguar no Oceano Atlântico.
"Alquilase casa"
Diariamente, quem passa pelo cruzamento da RS-699 com a Avenida Chuí, em frente ao Clube Beira-Mar, depara-se com um casal ao lado de um Siena segurando cartazes com dizeres em "portunhol". E foram os dizeres que nos fizeram parar: brasileiros.
A dona de casa Lilia Maria Cardoso Silveira, 71 anos, encontrou no local, que fica próximo a uma das entradas dos uruguaios, a alternativa para oferecer o aluguel do andar térreo da casa da família, localizada numa das ruas da Barra do Chuí.
— Falo espanhol "mas o menos". Quando falam muito rápido, peço "despacito" — comenta Lilia, que costuma estar no local com o companheiro, o taxista José Carlos Tavares, 67 anos.
Nos 20 anos mais recentes, Lilia já alugou o espaço para moradores de Montevidéu, Canelones, Colônia do Sacramento, Tacuarembó, entre outros. Até argentinos, que costumam passar pela fronteira com Uruguaiana, se hospedavam com Lilia antes da pandemia.
— Aqui quase não temos brasileiros. A maioria é uruguaio e também argentinos. É uma praia brasileira, mas frequentada mais por eles — confirma Lilia, que mora em Pelotas e vive na Barra do Chuí entre outubro e março.
Amplitude e areia firme
A informação de que os uruguaios dominam a Barra se confirma logo na chegada à orla. Carros com placas do Uruguai são maioria e se estendem ao longo da praia, onde hoje se pode circular com os veículos, como ocorre no balneário Cassino, em Rio Grande.
Moradora do departamento de São José, no Uruguai, a professora Rosário Urruth, 55 anos, é frequentadora assídua da praia que escolheu para veranear anualmente com a família há três gerações.
– Faz 20 anos que sempre alugamos casa aqui. É uma tranquilidade, mas as ruas de acesso estão muito ruins. Antigamente, os carros não podiam chegar até a praia. Agora, podem. E isso nos fez continuar vindo, porque no Uruguai não podemos andar de carro na praia – justifica Rosário.
A filha da professora, a cozinheira Natalia Arquirena, 34 anos, veio de Barcelona, na Espanha, para passar as férias com a mãe na praia favorita desde a infância. E trouxe o filho Leone Andriossi, um ano, a terceira geração da família a frequentar a Barra do Chuí.
– É uma praia com amplitude, areia firme para caminhar. Venho aqui desde pequena e gosto muito – conta Natalia, que das praias gaúchas conhece também o Hermenegildo, em Santa Vitória do Palmar, e o Balneário Cassino, em Rio Grande.
O farol
Num dos pontos mais altos da praia está localizado o centenário e mais avançado farol do Brasil. Inaugurado em 1910, teve a torre erguida num terreno doado pelo então faroleiro João Pedro Pereira, o Joca Documento, que hoje é nome de rua na praia. Em 1975, o farol recebeu um equipamento que o transformou em rádio farol, podendo dar orientações mais seguras às embarcações que possuem o radiogoniômetro.
Situado na desembocadura do Arroio Chuí, ainda tem iluminação automática. Subimos os cerca de 140 degraus e lá do alto, pudemos ver a última praia uruguaia - Barra del Chuy e a nossa. Dizem que o pôr do sol do alto do farol é um dos mais bonitos da região. Pena que fomos no final de uma manhã, e nublada.
Lembrança uruguaia
Casas vermelhas, azuis, amarelas, lilás, laranjas, entre outras cores, formam o cenário da Barra do Chuí, que lembra muito praias uruguaias como Barra de Valizas e La Paloma. A arquitetura típica daquela região, placas indicativas e letreiros no comércio escritos em espanhol também nos deram a sensação de estarmos, realmente, nas terras vizinhas. Até porque, enquanto circulamos pelas ruas de terra, pela avenida asfaltada e também na areia, o idioma mais ouvido foi o espanhol.
O chinelo uruguaio
Ao caminhar sobre os tetrápodes para fotografar os molhes da Barra do Chuí do alto, o repórter fotográfico Marco Favero encontrou um pé de chinelo Havaianas com a bandeira do Uruguai, praticamente, novo. Pensamos em dispensá-lo no lixo mais próximo, mas ficamos curiosos para saber onde estaria o outro calçado, cujo número 43 era o mesmo de Favero.
Então, o motorista Ricardo Figueiredo resolveu permanecer nos molhes enquanto continuávamos a reportagem. Minutos depois, ele avistou o chinelo numa área que parecia ser de difícil acesso - na areia, entre os blocos de concreto. Ricardo estudou o ponto e conseguiu recuperar o calçado. Marco, então, saiu da praia com um chinelo uruguaio encontrado em terras brasileiras.