Veranistas, bombeiros, guarda-vidas, policiais ambientais e pescadores encontraram 59 garrafas verdes com bilhetes nas areias do litoral norte do Rio Grande do Sul nos últimos nove dias. O que à primeira vista pode ser interpretado como mistério na verdade faz parte de uma pesquisa inédita do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Na última terça-feira (5), a equipe de 13 pesquisadores lançou ao mar 150 garrafas para identificar a rota de um objeto flutuante. A ideia é que, ao comparar o local onde o vidro foi lançado e onde foi encontrado, o Ceclimar entenda as influências da corrente marítima e do vento na rota percorrida.
O conhecimento ajudará a identificar quantos animais param na beira da praia – os biólogos entendem que o trajeto da garrafa pode ser comparado ao de um animal morto e suspeitam que o número conhecido sobre a mortalidade de espécies seja muito inferior ao real. Em especial, a preocupação é com as toninas, espécie de golfinho com risco de extinção.
De acordo com Maurício Tavares, um dos coordenadores da pesquisa, desde a noite da última terça-feira, poucas horas depois do início do estudo, as garrafas já começaram a ser encontradas. A maior concentração foi em Arroio do Sal.
— O pessoal tem colaborado muito, informando a localização das garrafas e também das carcaças que colocamos no mar. Estamos felizes pelo fato de os materiais estarem encalhando no Rio Grande do Sul. Tínhamos medo de que alguns aparecessem em Santa Catarina — comenta o pesquisador.
Já foi possível observar a influência das correntes marítimas na rota dos objetos, que chegaram a pontos distintos. Quanto mais longe da costa e, portanto, para dentro do mar as garrafas foram lançadas, mais longe foram encontradas. Houve algumas que apareceram na Praia de Itapeva, em Torres. Outra foi encontrada em uma área deserta ao sul de Quintão – distância de 100 quilômetros em linha reta.
Os pesquisadores fizeram cinco lançamentos, de 30 garrafas cada. O primeiro foi feito a cinco quilômetros da costa. Em seguida, a 10, 15, 20 e por fim a 25 quilômetros da faixa de areia. Do primeiro ponto, em Tramandaí, a maioria dos objetos apareceu em Xangri-Lá. Do segundo e do terceiro, as garrafas foram parar em Arroio do Sal. Do quarto lote, nenhuma apareceu e do último, o mais distante da areia, só uma surgiu no ponto mais ao sul até agora monitorado na pesquisa, Quintão.
No dia do lançamento das garrafas, também foram colocadas na água 45 carcaças de animais com identificadores do Ceclimar. Até agora, 14 delas foram localizadas nas areias. Todos os animais mortos são trazidos de volta ao centro de estudos e congelados para futuros experimentos. Dois dos três aparelhos de GPS colocados no mar junto com as carcaças também apareceram. Um deles mostrou em tempo real o trajeto feito no mar. Outros dois acabaram perdendo o sinal.
A expectativa é de que o restante dos materiais do estudo seja encontrado nos próximos dias em varreduras que serão feitas em praias com poucos turistas.
Conservação das toninhas
Apesar de monitorar todas as espécies, a pesquisa inédita tem como foco a mortalidade das toninhas, um pequeno golfinho, considerado o mais ameaçado de extinção em todo o Brasil. O animal, que se distribui apenas no sudeste e sul brasileiros, além de trechos da Argentina e do Uruguai, corre alto risco por ser alvo da captura acidental de redes de pesca. A toninha se alimenta muito próximo à costa e acaba sendo recolhida junto com peixes.
Em 2017, 48 toninhas foram encontradas mortas no Litoral Norte. Os dados de 2018 ainda não foram finalizados, mas, até 25 de outubro, haviam sido localizadas 30. Neste verão, o número tende a ser recorde, já que o Ceclimar orientou guarda-vidas e trabalhadores contratados para limpar as praias a informarem o encontro de animais como as toninhas mortas na praia.
Além de estudos como o do lançamento de garrafas e o monitoramento das praias, o projeto Conservação da Toninha também realiza contatos com comunidades de pescadores para explicar formas menos nocivas do uso de redes de pesca, tentando evitar a mortalidade dos animais. Os biólogos entendem que os pescadores são aliados na busca de uma solução para o problema.
O projeto é mantido por meio de uma parceria entre UFRGS, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e Unisinos.
Garrafas tomam direções diferentes por causa das correntes marítimas
As garrafas d'água não boiam aleatoriamente na água. O caminho singular dos objetos, a depender do ponto em que foram atirados, ocorre porque eles seguem o curso das correntes marítimas. Essas "estradas" ou "rotas" de água, quando próximas à faixa de areia, são coordenadas pelas ondas e seguem um trajeto. Por outro lado, a garrafa atirada mar adentro cai em outro tipo de corrente marítima, comandada pelo vento – aqui, o trajeto é mais imprevisível.
— Há ainda inversões periódicas: em algumas horas do dia o vento sopra para o Sul e em outras horas do dia, para o Norte. Depois de uma ou duas horas em que o vento mudou em direção em alto-mar, as correntes começam a seguir a mesma rota. Esse vento dificilmente é constante e varia bastante, dependendo da distância da orla e das condições climáticas — explica o doutor em geociências pela UFRGS, Mauro Michelena Andrade, demonstrando a imprevisibilidade das correntes.