Era para ser apenas uma corrida normal à beira-mar da Praia do Cassino, em Rio Grande, na tarde do domingo de 25 de fevereiro. Mas o estudante Renan Elkuri, 17 anos, e a amiga Camila Silveira, também de 17, depararam com um objeto na areia: uma garrafa de vidro, fechada com rolha e tampa e envolta por conchas, contendo duas cartas. Como se fosse um roteiro de filme, os amigos se surpreenderam: quais seriam as mensagens?
— Ficamos ansiosos, voltamos para casa correndo. Tentamos tirar a carta, mas ela estava úmida e começou a rasgar. Aí quebramos a garrafa e fomos ver o conteúdo — conta Elkuri.
Um texto estava em inglês e o outro, em alemão. Ao recorrer a um tradutor da internet, os dois jovens começaram a decifrar a mensagem. No texto em inglês, datado de 2 de fevereiro de 2013, um certo Martin Finkbeiner contava estar em uma viagem de barco. Ele escrevia do meio do Oceano Atlântico, a caminho da Cidade do Cabo, na África do Sul, e convocava uma resposta a ser enviada para a Alemanha.
"Estou curioso para saber onde e quando a carta foi encontrada, e quem é você. Você pode enviar a carta anexada à Alemanha para mim, o endereço está no envelope. Adicione algo sobre você, quem e de onde você é, o que você conhece e passe seu contato para que eu possa escrever de volta", dizia o texto. Já a carta em alemão, conta o jovem, não pôde ser decifrada pela internet, dada a complexa estrutura da língua, mas estava acompanhada de pequenas estrelas amarelas de plástico.
A euforia era tamanha que Elkuri e Camila não poderiam lidar com a espera necessária para a entrega de uma carta intercontinental. Recorreram, então, ao Facebook. Após uma breve busca, encontraram um homem com o mesmo nome exibido na carta e arriscaram:
— Hello. Sua carta chegou a Rio Grande, na Praia do Cassino, a maior praia do mundo. Gostaríamos de entrar em contato — escreveram em inglês pelo perfil de Elkuri.
No dia seguinte, o destinatário virtual alemão respondeu.
— Estou muito impressionado por você ter encontrado a carta que joguei no Atlântico há cinco anos! É incrível entrar em contato com você. Eu estava navegando com minha irmã. Enviamos duas garrafas, a que você encontrou e uma que minha irmã enviou para o marido — declarou o alemão aos brasileiros, explicando que a carta em sua língua-mãe era endereçada à ex-namorada e solicitando que o conteúdo não fosse divulgado por ser "íntimo".
Volta ao mundo durou três anos
Martin Finkbeiner, 33 anos, mora hoje em Landsberg am Lech, cidade do sul da Alemanha, próximo a Munique, no Estado da Baviera. Ele trabalha no hotel da família e é apaixonado por velejar. Ao GaúchaZH, ele conta que fez a viagem de volta ao mundo entre 2010 e 2013 a bordo do barco Ivalu – o projeto foi, inclusive, documentado em um blog.
A partida foi de Kiel, no norte alemão. Sozinho ou acompanhado de amigos, ele circundou a Europa, passou pela costa oeste da África, cruzou o Estreito de Gibraltar, contornou o sudeste asiático, seguiu pela Oceania, foi à América Central e voltou à Alemanha. A garrafa encontrada no Rio Grande do Sul foi jogada próximo à Ilha de Santa Helena, no meio do Atlântico Sul, em meio a um certo tédio por estar a 17 dias em alto-mar com a irmã, Barbara Bergfield.
A carta em alemão é um mistério: Finkbeiner concordou em falar com GaúchaZH apenas se a reportagem não citasse o nome da ex-namorada. Após a confirmação, ele afirmou que é apaixonado pelo mar ("é como uma febre") e diz que a viagem o fez valorizar as coisas simples da vida. Aproveitou para fazer uma reflexão sobre o descarte de lixo.
— Tudo o que você joga no oceano, volta. Eu não sabia se alguém acharia a garrafa e agora, cinco anos depois, quando já não tinha mais esperança, ela apareceu. Fiquei feliz que ela foi encontrada — contou, revelando que após a viagem fez palestras em escolas sobre descarte de lixo no oceano e que a carta da irmã ainda não chegou ao marido.
Agora, diz o velejador, ele partirá, no verão europeu, para outra volta ao mundo por no mínimo três anos – desta vez com a atual esposa, Friederike Finkbeiner, e um novo barco, o Aracanga.
— Talvez viajemos para o Brasil. Não temos rota definida — diz.
Camila e Elkuri, que estuda biologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e também é apaixonado pelo mar e preocupado com o meio ambiente, ficaram empolgados com a possibilidade de encontrar o estrangeiro.
— Estamos na expectativa de que o encontro aconteça — confessa o rapaz.
Como uma garrafa jogada perto da África chega a Rio Grande?
Foram as correntes marítimas que levaram a garrafa jogada por Finkbeiner da Ilha de Santa Helena à Praia do Cassino. Elas são uma espécie de "rota" seguida por grandes fluxos de água, que se movimentam ao longo dos oceanos do planeta. Ao cair em uma delas, o objeto acaba sendo arrastado pela correnteza, assim como em uma esteira de aeroporto. Entre o Brasil e a África, no oceano Atlântico sul, há uma dessas "rotas" circulares – na nossa costa, é chamada de Corrente do Brasil e, na costa africana, de Corrente de Benguela.
Segundo Osmar Moller Jr., diretor do Instituto de Oceanografia da FURG, a garrafa poderia ter ido para o Hemisfério Norte se tivesse seguido a outra direção da bifurcação da Corrente Sul Equatorial, que circula na altura do litoral da Bahia, entre Brasil e África. Ele acrescenta que o trajeto entre a costa brasileira e africana leva cerca de dois anos, em uma velocidade média de 30 cm/s.
— Provavelmente, a garrafa fez mais de uma volta na corrente do Oceano Atlântico, já que foi achada na beira da praia após cinco anos. Esse lançamento de garrafas é quase tão antigo quanto a humanidade. Náufragos faziam isso para se comunicar. E a Universidade de São Paulo (USP) fez vários experimentos assim na década de 1970, para pesquisar mais sobre as correntes. Hoje, usamos boias monitoradas por satélite — diz o professor.