Em novembro de 1980, com 29 anos, o jornalista Inácio Knapp vivia em Los Angeles. Assinante do jornal Los Angeles Times, ele curtiu uma entrevista com John Lennon, publicada naquele mês, recortou e guardou a matéria. John havia lançado, recentemente, seu último disco, Double Fantasy, e falava com alegria do tempo presente e fazia projetos para o futuro. Knapp comprou o LP e guardou o recorte junto ao disco, dentro da capa.
"Sempre tive o hábito de recortar jornais e revistas para colocar em discos e livros. Guardo ingressos de museus, de shows, de cinemas e vou enfiando entre as páginas e dentro dos discos. Acredito que isso enriquece o material e provoca, no futuro, recordações. São, também, boas lembranças para filhos e netos. Ainda podem servir de referência. Afinal, somos a nossa memória", diz o colecionador de fragmentos.
No anoitecer do dia 8 de dezembro daquele ano, em casa, ele gravava o som de alguns comerciais direto da televisão quando surgiu a notícia de que John Lennon havia sido baleado em Nova York. Alguns minutos depois, outra edição extraordinária, dessa vez anunciando a morte de Lennon. Um choque.
Poucos dias antes do Natal, Knapp voltou para Porto Alegre. Ele e a namorada de então trouxeram de Los Angeles as palhetas Fender encomendadas pelos amigos dela que faziam parte de uma banda de rock. Mas sucesso mesmo fez o LP Double Fantasy, que também veio e que ainda era inédito por aqui. Um dos músicos levou-o emprestado e o disco jamais foi devolvido.
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Agora há pouco, assistindo ao filme Aquarius, Knapp ficou surpreso quando viu Clara, a personagem interpretada por Sônia Braga, tirar o vinil da estante e mostrar às jornalistas para as quais dava uma entrevista. Clara (Sônia), na cena, revela que havia comprado o LP "num sebo em Porto Alegre" e tira do interior da capa um recorte de jornal com a foto de Lennon, comentando que, no texto, "ele fazia planos para o futuro", que, sabemos todos, acabou com um tiro em frente ao Edifício Dakota.
Knapp ficou "processando por alguns minutos aquela história". Seria algo inventado pelo diretor e roteirista Kleber Mendonça Filho, ou era o seu velho disco que voltava, como uma mensagem encontrada numa garrafa lançada ao mar?
Sabendo da história, consegui, ontem, falar com Kleber. O diretor do filme me disse que ele próprio comprou o LP usado na loja Amoeba Music, em Los Angeles, e que, de fato, havia o recorte dentro da capa.
Disse-me que, em outra oportunidade, adquiriu a trilha sonora de Cenas de um Casamento, de Ingmar Bergman, e que no interior da capa encontrou "17 páginas do roteiro do filme". Revelou, ainda, que incluiu a história verídica no filme, mas que a escolha de Porto Alegre como a cidade onde teria sido comprado o disco foi aleatória e que cogitou usar Belo Horizonte.
De qualquer forma, é uma enorme coincidência e uma história curiosa que merece registro. Como diria o escritor Caio Fernando Abreu: "...o mundo, apesar de redondo, tem muitas esquinas".