O gestor de turismo Éverton Monteiro, 35 anos, não tinha interesse em ser pai. Porém, quando conheceu Keven, 16, e Daniel, 14, algo mudou, e ele decidiu assumir esse compromisso sozinho. Este domingo (13) marcará o primeiro Dia dos Pais em que ele comemorará oficialmente como pai dos meninos, após a sentença de adoção monoparental — conhecida como adoção solo — ser emitida em maio.
— Nunca quis ser pai e hoje não me vejo sendo outra coisa. São aquelas voltas que a vida dá, e nisso, simplesmente aconteceu. Quando conheci eles, eu vi esse interesse deles em ter uma família, e aí não tinha como dizer não também para isso. Surgiu essa vontade, surgiu essa paternidade em mim — conta.
A história da família de Porto Alegre começou em julho de 2021, quando Éverton conheceu Keven na escola de cursos e tecnologia onde trabalhava. O jovem foi até o local querendo participar de um curso, e Éverton conseguiu uma bolsa integral para ele. Assim, teve início o convívio entre os dois, baseado em interesses em comum, como videogames e esportes. Depois, veio o apadrinhamento, com passeios e visitas à casa do gestor de turismo. No mesmo ano, no Dia das Crianças, Éverton se aproximou de Daniel, tornando-se padrinho dos dois.
No final de 2021, os adolescentes passaram as férias com o futuro pai. O retorno ao abrigo nunca mais aconteceu, e o processo de adoção começou a ser encaminhado – houve entrevistas com assistentes sociais, psicólogos, estágio de experiência familiar e guarda provisória, até culminar na adoção.
Homens em menor número
Conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de setembro de 2019 a agosto de 2023, 269 homens adotaram sozinhos no Brasil. O número é quatro vezes menor do que o de mulheres que optaram por formar família do mesmo jeito (1.179). As adoções em casal continuam protagonizando a maior parte dos processos: 15.712. No Rio Grande do Sul, nove homens realizaram a adoção monoparental — o que representa apenas 6,8% do número de adoções realizadas por mulheres (132).
Atualmente, há 1.008 homens na fila para a adoção sem companheiras ou companheiros no Brasil, sendo 77 no Rio Grande do Sul — número seis vezes menor do que o de mulheres: 463. No Brasil, elas totalizam 4.462.
Um desses homens que aguarda a paternidade está em Cruz Alta. Jean de Souza, 32 anos, massoterapeuta, já está na fila há quatro anos.
— Eu sempre, sempre quis ser pai. Entrar na fila de adoção, eu sei que é demorado, mas tem de ter paciência. E principalmente dar carinho, dar amor. A gente sabe que tem muitas crianças que estão precisando — destaca.
Jean sempre quis adotar, e ao descobrir em exames que não poderia gerar um filho naturalmente, reforçou ainda mais esse sonho. Ele decidiu, então, entrar com um pedido de adoção monoparental. O processo de habilitação foi tranquilo — o principal desafio, agora, é encontrar o futuro filho, o que deixa Jean ansioso.
— Eu decidi: por que não? Eu descobri que poderia ser solteiro, poderia um homem entrar na fila para a adoção. Então eu, hoje, conto os dias para o meu filho vir. Eu não sei te explicar a emoção, o sonho, o amor que eu vou dar para essa criança — afirma.
Mesmo processo
O procedimento para adotar uma criança ou adolescente é o mesmo, independentemente de haver dois responsáveis ou um só — mesmo porque há pais viúvos que criam os filhos sozinhos. É preciso ter o mínimo indispensável de renda para prover o sustento e ter saúde física e mental.
A adoção por um só pai ou uma só mãe é muito tranquila. Não há óbice legal
CINARA BRAGA
Promotora de Justiça da Infância e Juventude de Porto Alegre
— A adoção por um só pai ou uma só mãe é muito tranquila. Não há óbice legal. O que é importante para fins de adoção? A intenção de formar família. Não importa se é um casal, e quando eu falo um casal, também não importa a orientação sexual, ou se é um indivíduo solteiro. O afeto em primeiro lugar — explica Cinara Braga, promotora de Justiça da Infância e Juventude de Porto Alegre, destacando que os órgãos públicos fornecem o amparo e as informações necessárias.
A fila avança conforme a data de habilitação do pretendente. Quando a criança ou o adolescente fica apto à adoção, o sistema busca uma possível família com base na data e no perfil desejado pelos pretendentes — ou seja, sem distinção entre casais e solteiros. A pessoa, então, será consultada se deseja seguir com a adoção, e será avaliado se ela tem condições de fazê-lo. Caso haja algum impedimento, o pretendente não volta para o final da fila. Se tudo correr bem, em seguida começa o período de convivência para verificar se há afinidade.
A espera será mais ou menos demorada de acordo com o perfil desejado pelo pai — a maior parte dos pretendentes deseja crianças saudáveis e pequenas, de no máximo seis anos. Se o perfil é mais abrangente (crianças mais velhas ou adolescentes, com ou sem doença ou deficiência, com ou sem irmãos), o processo torna-se mais fácil.
— Para quem está pensando em adotar, nunca é ruim se habilitar, porque o importante é você estar apto a poder receber a criança. O problema é você querer e não estar apto legalmente a receber — aconselha a promotora.
Em relação aos trâmites legais, portanto, não há diferenças. No caso de Éverton, houve um problema na emissão de documentos sem filiação de mãe, que foi rapidamente resolvido. O desafio será o de criar sozinho uma criança ou um adolescente — neste caso, com um histórico prévio, como salienta a promotora:
— O desenvolvimento é permanentemente um desafio, não importa se é um filho por adoção ou biológico. São inerentes ao desenvolvimento humano as testagens. As pessoas se iludem achando que por ser uma adoção, às vezes, o adolescente dá mais trabalho, exige mais, testa mais, mas não.
Ainda assim, o pai solo poderá buscar diferentes possibilidades para dar conta da tarefa: a ajuda de avós e amigos; a escola; uma educação integral; atividades complementares; aprendizagem profissional; entre outros.
Dificuldades da paternidade
Mais atípico do que de costume, o processo de Éverton foi rápido e "tranquilo", conforme o pai — porém, recheado de aprendizados, já que foi preciso entender como ser pai enquanto já estava com os meninos.
Como é esperado, a adoção monoparental também traz desafios. No caso do gestor de turismo, que morava sozinho, foi preciso reorganizar a vida e a rotina para receber a nova família. Em suas redes sociais, Éverton compartilha o cotidiano da casa agora habitada por três homens, marcado por viagens, games, estudo e diversão.
O afeto é o que define
ÉVERTON MONTEIRO
Pai de Keven e Daniel
— Eu tive de aprender a ser dono de casa, coisa que antes, sozinho, era iFood, era o mínimo de limpeza. Então isso a gente está tentando aprender juntos. Cozinhar todos os dias, ter um feijão cozido, ralar uma salada, coisas que eu não tinha costume de fazer sozinho, agora, com eles, tenho. Eu acho que dificuldades existem, mas também não é nada que impeça de conseguir fazer — reconhece.
As dificuldades começam já no processo de habilitação para a adoção, no qual os interessados precisam sustentar o seu desejo pela paternidade solo, explica Liziane Guedes da Silva, psicóloga, professora e pesquisadora sobre famílias por adoção. Em seguida, outras adversidades se somam ao percurso, como a espera na fila e, posteriormente, o momento de conhecer o futuro filho e apresentar o modelo de família no qual um pai cria e cuida sozinho.
— Talvez isso possa ser uma novidade para essa criança ou adolescente que vai ser adotado. Mas a gente precisa pensar também que, muitas vezes, eles têm uma abertura para o entendimento das questões contemporâneas que muitos adultos, às vezes, não têm — lembra, trazendo como exemplos bem-sucedidos os casos de adoção por casais LGBT+.
Por sua vez, Éverton recomenda a adoção e lembra aos interessados: gene não define família.
— O afeto é o que define, e esse afeto faz com que eu seja mais pai do que muitos genitores por aí — reforça.
O carinho pelo pai demonstra a concordância dos filhos:
— Ele faz tudo por mim. Eu também faço o que eu puder por ele — diz Daniel.
— A experiência em si é muito boa, ter um cara que eu posso contar para contar minhas coisas e dividir meus problemas. Antes, eu não tinha essa confiança em alguém para poder falar. Hoje eu tenho, e é muito bom — acrescenta Keven.
Como saber quando é a hora
Para que o processo seja exitoso, é importante se preparar. As especialistas fornecem recomendações que podem auxiliar futuros e atuais pais: pensar sobre o tipo de paternidade que se deseja realizar, refletindo sobre sua experiência como filho para poder se elaborar como pai; contar com o auxílio da psicoterapia; conversar com outros pais solo e adotivos; participar de grupos de apoio; ler; e entender que não se nasce pai, torna-se, aprendendo conforme o percurso avança.
E como saber quando se está efetivamente pronto? Não é possível, afirma a psicóloga, porque nunca se está pronto para ser pai ou mãe. As pessoas buscam se preparar da melhor maneira, mas estar pronto é algo que só acontece quando a experiência se coloca como realidade — ou seja, depois de se tornar pai.