Esta reportagem foi produzida por Paula Colpo Appolinario, aluna de Jornalismo na UFSM e vencedora da edição 2022 do projeto Primeira Pauta RBS, uma iniciativa do Grupo RBS.
Amor, aprendizado e responsabilidade. Há um ano, William Gabriel de Figueiredo Dorneles intensificou esses princípios na vida da fisioterapeuta Tibiana de Figueiredo e do consultor de vendas Luiz Fellipe Dorneles. Com nove anos, o menino saiu de uma casa de acolhimento em Porto Alegre para começar a nova vida como filho do casal em Santa Maria.
Quando o acolhimento definitivo ocorre com crianças como ele, que já possuem um desenvolvimento parcial, é considerado adoção tardia. Embora essa classificação não possua idade mínima, entende-se que o termo abrange os que não são tão procurados em razão da faixa etária.
A promotora Cinara Vianna Dutra Braga, do Ministério Público do Rio Grande do Sul — órgão que atua na fiscalização jurídica dos processos de adoção —, explica que a vivência que essas crianças e adolescentes já possuem pode inibir alguns pretendentes, mas que o envolvimento familiar é uma potência para o desenvolvimento de quem é adotado.
— A criança depois de adotada, quando recebe afeto, carinho e orientação, é uma transformação. Tive inúmeros casos com doenças, que depois da adoção, quando passaram a ter esse afeto, a doença desapareceu — destaca Cinara.
William é um exemplo disso. Os pais já veem mudanças na saúde dele em razão do atual ambiente de afeto. Eles relatam que receberam o histórico do menino de muitas medicações psiquiátricas por causa da agressividade. Hoje, sem nenhum episódio da alteração, o único remédio que toma é para concentração. Essa e outras histórias fazem o casal ter certeza que a adoção tardia trouxe benefícios para toda a família.
— Pessoas entram na adoção por crianças pequenas porque falam que querem ver elas caminharem, primeira fala etc. Mas a gente teve muitas primeiras vezes com o William, não vimos ele dar os primeiros passinhos, mas vimos vestindo a primeira calça jeans nova. Até pastel ele falou que nunca tinha comido. Sempre tem as primeiras vezes — relata o pai.
A realização que William teve ao encontrar uma família não é a realidade de outros acima dos seis anos no Rio Grande do Sul. Dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que a adoção de crianças e adolescentes a partir desta faixa etária foi menor que de zero a seis anos incompletos desde 2020. Ao analisar idades de 10, 14 e 16 anos, as adoções diminuem ainda mais. Em 2022, não é diferente: quanto mais próximo dos 18 anos, menor são as efetivações de adoções.
Além disso, 81,45% das pessoas que buscam a adoção atualmente preferem crianças de até seis anos de idade, mas mais de 74% das crianças estão acima dessa faixa etária.
Diante dos índices, as casas de acolhimento buscam trabalhar metodologias que auxiliem na saúde mental dos pequenos. No Lar de Mirian e Mãe Celita, em Santa Maria, as ações são voltadas principalmente para reduzir a expectativa e ansiedade.
— A grande maioria sonha em ter uma família que lhe proporcione um local de aconchego e amor — explica a coordenadora do lar, Kellen Oliveira.
O suporte para a comunidade envolvida no processo de adoção também parte da sociedade civil. O Grupo de Apoio e Incentivo à Adoção (Gaia), ligado à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), é uma dessas iniciativas. Desde 2015, divulga o tema e orienta pessoas pretendentes nos processos. A professora Lucillana Silveira foi uma das sensibilizadas por esse trabalho. Ela e seu companheiro, Márcio Freitas, conheceram a adoção tardia por vídeos do Gaia, em 2020. Hoje, o filho deles está com 17 anos e os momentos até agora só confirmam a decisão do casal pelo adolescente.
— Nos elogiam por termos adotado um adolescente e eu acho que não nos cabe. Na verdade, não é uma benevolência, fizemos isto por nós, pelo nosso desejo. Claro, quando ele chegou tudo mudou, a satisfação do nosso desejo deu lugar ao amor que brotou no nosso coração — afirma.
O adolescente no lar fez 18 anos, e agora?
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que regulamenta o funcionamento das casas de acolhimento, protege crianças e adolescentes de até 18 anos, conforme o artigo 1º. Ao chegar à maioridade, eles saem dessas instituições para iniciar a vida com responsabilidades adultas.
O Esperançando, ação criada no Gaia e atuante como projeto de extensão da UFSM, busca auxiliar esses jovens na preparação gradativa para o desligamento — que os é de direito, segundo o artigo 92 do ECA.
— O Esperançando vem para tentar introduzir esse adolescente na sociedade de uma forma digna, ética e justa. Hoje existe todo um trabalho com diversas áreas e frentes para que ele (o adolescente) consiga ter uma perspectiva de futuro — esclarece Karine Pacheco, psicóloga voluntária.
Conforme a coordenadora Alice Farias, o projeto já atendeu mais de 60 adolescentes e atualmente tem 14 jovens em atendimento.
Diferentemente de parte das crianças e adolescentes, o desejo de Evelin Paz Medeiros, 18 anos, nunca foi ser adotada. Ela viu no Esperançando uma oportunidade de conquistar sua independência com os cursos oferecidos e se aproximar mais da área que sempre teve interesse: a veterinária.
— O projeto me deu oportunidade de cursos, por exemplo, de estética pet. Hoje em dia, é minha paixão — destaca Evelin.
O que diz a lei?
A adoção pode ser realizada por maiores de 18 anos que respeitem a diferença de 16 anos entre adotante e adotado. As pessoas interessadas precisam passar por um processo de habilitação à adoção e, se forem aptas, estarão em um cadastro nacional unificado, onde os dados são cruzados com as crianças que estão na fila.
Com os pretendentes encontrados, se inicia o estágio de convivência de 90 dias, que é prorrogável. A sentença, se favorável à adoção, determina a alteração do registro de nascimento da pessoa. A juíza da Infância e Juventude de Santa Maria, Gabriela Dantas Bobsin, explica que essa determinação inclui todos os direitos previstos aos filhos no Código Civil.
— O ECA protege os adotados na medida em que estabelece que prevê que a adoção é irrevogável. Portanto, a situação jurídica da criança e do adolescente consolida-se com a adoção, disto decorrendo todos os direitos e deveres da filiação, inclusive sucessórios — comenta a magistrada.