Esta reportagem foi produzida por Nick dos Santos, aluno de Jornalismo na UFSM e vencedor da edição 2022 do projeto Primeira Pauta RBS, uma iniciativa do Grupo RBS.
É dia de feira no coletivo Feito Por Mulheres, em Santa Maria, região central do Estado. Em casa, como de costume, a artesã Michele Urban, 41 anos, acorda cedo, às 7h, para preparar as peças que irá expor. É por meio da renda obtida nas feiras que ela se mantém. Michele começou a empreender por necessidade, após se demitir do emprego de operadora de caixa em um posto de gasolina, no início da pandemia, em 2020. Segundo ela, o ambiente tóxico e a jornada exaustiva do trabalho a levaram a tomar a decisão.
— Aquele trabalho que é de domingo a domingo, tem uma folga no meio da semana. Um ambiente realmente muito machista. Saí de lá com um clima muito pesado — desabafa a empreendedora.
Desempregada, pouco tempo depois descobriu um câncer na região da tireoide e, em seguida, teve depressão. Para ajudar a superar o momento delicado que vivia e obter uma renda, a santa-mariense optou por produzir e vender biscuit e artesanato à base de materiais recicláveis. Michele produz, vende e divulga suas peças em algumas feiras da cidade. Entre elas, a realizada periodicamente pelo coletivo Feito Por Mulheres, onde a artesã teve suas primeiras experiências com o empreendedorismo e onde, segundo ela, foi notada pela primeira vez.
Se Michele acorda cedo para produzir biscuit e artesanato, a também empreendedora Greice Caceres, 44 anos, entra noite adentro quando precisa produzir para expor nas feiras. Farmacêutica por formação, Greice ficou desempregada durante a pandemia, depois que o estabelecimento em que trabalhava fechou. Foi através da confeitaria que a empreendedora encontrou realização profissional. Tudo começou com um anúncio no Instagram para um curso de copos da felicidade, um tipo de doce artesanal.
Pouco tempo depois, Greice já colecionava cerca de 10 certificados na área. O próximo passo era ir em busca de visibilidade para seu negócio, que administrava sozinha. Segundo ela, foi nesse momento que conheceu o grupo Feito Por Mulheres, após a mãe de um colega de escola do filho a indicar o projeto.
— Elas dão uma força para o empreendedorismo feminino, e isso foi muito importante para mim, muito mesmo — conta Greice.
Fundado em 2016 em um grupo do Facebook, o Feito Por Mulheres começou como um pequeno projeto de Camila Lourenci, 27 anos, na época estudante de jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Camila vendia hambúrgueres em eventos para obter uma renda. A ideia, conta, era valorizar o produto artesanal e caseiro feito por mulheres. Em 2021, com mais de 6 mil mulheres na rede social, o projeto saiu do digital e apostou em atividades presenciais, como as feiras. Segundo ela, a decisão foi necessária em função de o empreendedorismo ser uma atividade solitária, especialmente para mulheres.
— Mesmo que tenha uma pessoa que trabalhe contigo, é uma ou duas pessoas. Então tu pensa tudo sozinha, produz tudo sozinha — explica a coordenadora administrativa do Feito Por Mulheres.
Mulheres lideram ranking de desocupação
As mulheres lideram o ranking de desocupação no Brasil. Levantamentos recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que no primeiro trimestre de 2021 o desemprego entre o público feminino atingiu o maior patamar desde o início da série histórica, em 2012. Ao final de março, 18,5% das brasileiras estavam desempregadas.
Entre os homens, a taxa era menor, cerca de 12,2%. Neste ano, o índice médio de desocupação recuou para 9,3% no segundo trimestre. Contudo, para as mulheres o número ficou acima da média nacional: 11,6% para elas, quase 25 milhões de pessoas; já para eles, 7,5%, cerca de 16 milhões de brasileiros.
Fora das estatísticas, o fenômeno pode ser observado em histórias como as de Michele e de Greice, ambas desempregadas em plena pandemia, que encontraram no coletivo uma chance de empreender.
Em novembro, o grupo recebeu uma moção de congratulação na Câmara Municipal de Santa Maria, em alusão ao aniversário de um ano do projeto. De acordo com Camila, coordenadora do grupo, o processo de empreender é transformador.
— Eu me sinto transformada por todo esse processo. E é muito no sentido de empoderamento, de poder ter confiança no que faço, no que falo, no que divido com as pessoas. Por que me via em outro espaço, num espaço que tinha dificuldade de falar, de me expressar, de estar mostrando quem sou, o que faço — conta Camila, orgulhosa pelo projeto.