O caso de uma menina de 12 anos que foi mantida em cárcere privado por um homem que conheceu pela internet, divulgado nesta semana, acende o alerta sobre a necessidade de reforçar os cuidados quanto ao uso da internet por menores de idade. De acordo com a polícia, a pré-adolescente foi sequestrada pelo indivíduo de 25 anos no Rio de Janeiro e levada até São Luís, no Maranhão, onde os policiais a encontraram trancada em uma quitinete, na terça-feira (14).
A investigação apontou que o homem trocava mensagens com a menina desde quando ela tinha 10 anos, por meio de um aplicativo de compartilhamento de vídeos. O suspeito teria ido ao Rio de Janeiro de avião para buscá-la. Conforme a polícia, ele a encontrou na porta da escola e, depois, solicitou uma corrida em carro de aplicativo para ir até São Luís. O indivíduo foi preso por sequestro e cárcere privado, mas a polícia ainda investiga se houve crime sexual.
— Com as informações obtidas pela polícia do Rio e nossa equipe de inteligência, conseguimos chegar ao local do cárcere. Ela se encontrava trancada em uma quitinete no bairro da Divinéia. Estávamos tentando abrir a porta, quando ela abriu a janela. Percebemos que ela ficava trancada dentro da casa. Um crime de sequestro. Ela só tem 12 anos de idade — disse o delegado Marcone Matos, da capital do Maranhão, em entrevista à TV Globo.
Para Ramon dos Santos Lummertz, coordenador do curso de Análise de Desenvolvimento de Sistemas da Ulbra Torres e docente dos cursos de Computação da instituição, o caso serve como alerta para um ponto importante: atualmente, a internet é uma ferramenta que traz benefícios para todos, mas também pode trazer malefícios. O especialista explica que há diversas plataformas onde crianças e adolescentes podem se comunicar com outras pessoas de forma remota, sem ter certeza sobre com quem está conversando.
Dentro desse universo, cita as redes sociais, como Facebook, Instagram, Twitter, Tik Tok e YouTube, os jogos online, que permitem interações individuais e coletivas durante as partidas, os fóruns online, como Reddit, bastante utilizados por jovens para debater assuntos específicos, os aplicativos de mensagens, como WhatsApp, Telegram e Discord, que é mais usado por gamers e pode ser acessado pelo computador, sem a necessidade de um número de telefone, e os sites ou aplicativos de encontros e namoros, como Tinder e Happn.
— Instagram e Tik Tok estão bem comuns no dia a dia de crianças e adolescentes, mas um dos problemas das redes sociais é que geralmente é com desconhecidos que a pessoa compartilha suas informações pessoais — alerta Lummertz.
O professor ressalta que algumas plataformas têm restrições de idade. Aplicativos de namoro, por exemplo, são destinados apenas a maiores de 18 anos. Ao instalar uma dessas aplicações, a pessoa precisa aceitar os termos de uso e se “encaixar” nos requisitos, mas a grande questão é que isso é facilmente burlado, porque basta mudar a data de nascimento:
— Nos jogos online, só pedem um cadastro simples. Então, a criança ou adolescente pode estar em contato com pessoas de seis ou 80 anos, que podem estar em qualquer lugar do mundo, desde que tenham acesso à internet. É complicado porque, às vezes, os pais acham que o fato de o filho estar sempre no quarto, apenas na frente do computador, é mais seguro do que estar na rua, diante dos perigos do dia a dia, mas de certa forma a internet também acaba sendo uma porta para grandes perigos que nem imaginamos.
Como acompanhar o que é acessado
O perigo das interações online também vem sendo debatido nas redes sociais em função da novela Travessia, da Rede Globo, que passou a mostrar recentemente a ação dos pedófilos pela internet, a partir da história da personagem Karina, vivida pela atriz Danielle Olímpia. Na trama escrita por Glória Perez, a adolescente começa a conversar por chamada de vídeo com Bruna Schuler (personagem de Giullia Buscacio), que acredita ser uma atriz e influenciadora famosa.
Entretanto, os capítulos revelam que, na verdade, quem está por trás da câmera conversando com a jovem é um homem mais velho, que tem sua voz e aparência modificadas com a ajuda de programas de inteligência artificial. No decorrer da trama, as duas criam uma amizade virtual e ficam cada vez mais próximas. Com isso, o indivíduo passa a pedir que Karina envie fotos e mostre seu corpo durante as chamadas de vídeo.
De acordo com o professor Lummertz, realmente existem softwares que podem trocar a aparência e a voz de quem está conversando com a criança ou adolescente do outro lado da tela. Por isso, aponta que é necessário e muito importante que o uso da internet como um todo seja acompanhado sempre que possível pelos responsáveis.
Para auxiliar nesta demanda, algumas redes sociais, como o YouTube, contam com configurações que permitem o bloqueio de alguns conteúdos. Já nos smartphones e computadores, é possível instalar softwares de controle parental.
— Nesses casos, o responsável consegue acompanhar quanto tempo a criança ou adolescente está utilizando aquele dispositivo, definir tempo de uso, gerenciar tudo que ela está acessando em tempo real, bloquear o uso de forma geral ou o acesso de determinados sites — esclarece.
Celulares atuais, seja com sistema operacional Android ou iOS, já possuem o controle parental de fábrica, afirma o especialista. Basta habilitá-lo no aparelho da criança ou naquele que será emprestado a ela. Outros softwares permitem que os pais monitorem tudo que está sendo acessado em determinado dispositivo — alguns exemplos citados por Lummertz são o FamilyTime, o Net Nanny, o OurPact e o Qustodio.
Há aplicativos gratuitos e pagos. O controle é feito a partir do celular do responsável, mediante ao uso de uma senha, mas é preciso instalar no aparelho da criança ou adolescente também. Recursos semelhantes também podem ser instalados em computadores, segundo o professor.
— Mas nunca vamos conseguir estar 100% junto com o filho durante os acessos, por isso, é importante estabelecer uma relação de confiança e educar a criança ou adolescente para fazer um uso responsável da internet — pondera Lummertz.
Diálogo e confiança são os pontos principais, diz psicóloga
A psicóloga Karen Del Rio Szupszynski, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), corrobora a afirmação do professor Lummertz de que é fundamental estabelecer uma relação de confiança e de diálogo no ambiente familiar quando o assunto é o uso da internet. Ela aponta que, com a pandemia, a utilização dos meios digitais para sociabilizar ficou ainda mais intensa, ampliando o número de crianças e adolescentes que têm acesso a celulares e computadores.
De acordo com a especialista, a adolescência é o período em que o indivíduo começa a formar sua identidade, autoestima e ideia de autoconceito, e é nesta etapa em que ele busca fazer parte de um grupo. Se está muito presente nos ambientes virtuais neste momento, todo esse processo vai acontecer com quem o adolescente conhecer na internet — o que pode ser um problema.
— Claro que é legal ter o desenvolvimento tecnológico, aprender a ter relações humanas digitalmente, mas a questão toda é quanto tempo esse adolescente está passando na internet. Se o tempo é tão grande que todas essas relações estão acontecendo por meio do celular, a questão é: quem realmente são essas pessoas com quem ele está se relacionando? — questiona Karen.
A especialista destaca que o tempo de uso desses dispositivos é alarmante pelos perigos e pelas possíveis sequelas cognitivas. Por isso, é importante que os pais estejam presentes, conversem e tentem fazer parte da rotina do filho, não apenas para controlar o uso não seja excessivo, mas também para ajudar o adolescente a formar esses conceitos que serão levados para a vida adulta.
Na percepção de Karen, o confronto e a proibição não trazem nenhum resultado positivo nas intervenções. O caminho mais adequado seria, com a criança ainda pequena, buscar estabelecer regras para o uso da internet e acompanhar tudo que é acessado. Assim, fica mais fácil criar um ambiente aberto para diálogo na adolescência:
— É preciso que haja momentos e espaço para interação da família: conversar, trocar uma ideia, contar o que aconteceu. Se todos vivem muito conectados e não há espaço para essa criança ou adolescente, é comum que queira alguém para conversar. Só proibir não resolve, a tecnologia não é um problema, mas sim como temos usado.
O alerta e a orientação se fazem necessários sempre que os pais ou responsáveis permitirem o acesso à internet sem supervisão. A especialista indica que crianças vão precisar de um acompanhamento maior, mas, no caso dos adolescentes, quanto mais claras as conversas forem, mais poderão ajudar aquele indivíduo a formar uma ideia de perigo.
— Cabe a pessoa da família que tiver uma aproximação maior ter uma conversa clara para explicar os riscos da internet. Os familiares não devem ter vergonha de parecer antiquados, porque às vezes os adolescentes realmente não têm a dimensão do perigo, não entendem que é possível que seja um filtro que muda a aparência. Então, os responsáveis devem alertar os adolescentes sobre o que pode acontecer nesse ambiente — recomenda.
Karen orienta que os adultos devem utilizar uma comunicação clara e objetiva, sem tom moralista ou imperativo, especialmente com os adolescentes. Uma dica importante é ouvir primeiro, ir conversando aos poucos e deixar um espaço aberto para que a criança possa contar se algo estranho acontecer.
Entre os sinais de alerta que podem indicar algum problema, a psicóloga cita mudanças de humor e de comportamento (agressividade e impaciência, por exemplo), isolamento social intenso, afastamento familiar e tempo excessivo conectado.