A investigação sobre desvio de quase R$ 1 milhão do fundo de comissão de formatura de uma turma de Medicina na Universidade de São Paulo (USP) acendeu um alerta entre estudantes que sonham com festas para celebrar a conquista de seus diplomas. Só em 2020, cerca de 1,2 milhão de brasileiros concluíram a graduação, de acordo com o Censo do Ensino Superior do Ministério da Educação.
A arrecadação de altos valores para grandes bailes por comissões de formandos, como no caso da USP, não é comum no Rio Grande do Sul, mas trata-se de um mercado que tem crescido nos últimos anos, principalmente em cursos de Medicina, de acordo com empresários do setor de formaturas ouvidos por GZH. Segundo eles, há boas práticas que podem ser adotadas por formandos para evitar que as turmas sejam vítimas de fraudes.
— É sempre importante que haja ao menos duas pessoas responsáveis por aprovar as movimentações financeiras do fundo de formatura, e não uma pessoa só — diz o produtor de eventos Michel Brucce, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Formatura (Abeform).
Na avaliação dele, é importante que as turmas fiscalizem suas comissões e cobrem relatórios mensais sobre pagamentos, rendimentos e recebimentos, para evitar a má gestão.
Em eventos como o planejado pela turma de Medicina paulista, estudantes costumam abrir um CNPJ com um estatuto social e representantes nomeados para cuidar do dinheiro.
— O que a turma da USP poderia ter implementado: a regra de que nenhum aluno poderia mexer sozinho naquele recurso. O segundo erro foi permitir a movimentação de valores para as contas de pessoas físicas da própria comissão — diz o cientista da computação Diogo Nemésio, sócio do aplicativo alagoano Sua Formatura, criado para auxiliar comissões de formandos na gestão de seus recursos.
Hoje, o mercado de formaturas ainda se recupera da crise causada pela covid-19. A estimativa é de que o setor retome índices pré-pandemia a partir de 2024, com um faturamento de R$ 7 bilhões ao ano, segundo o presidente da Abeform.
Quando o barato sai caro
De modo geral, estudantes gaúchos não fazem bailes conjuntos e preferem investir individualmente na cerimônia de colação de grau e fotografias. Depois, cada formando faz a sua própria festa, segundo o relações públicas Pedro Moreira, proprietário da Applause Formaturas, produtora de Porto Alegre. Esses casos também exigem cuidados e a contratação de produtoras confiáveis.
— Poucos levantam a documentação da empresa, mas é importante entender quem ela é no papel, se a sede existe e quem são os sócios, ou ver se há entidades relacionadas a eles, como a Abeform. Também vale ver o histórico dela e outras formaturas realizadas — aconselha Moreira, que ressalta ser preciso desconfiar de cotações abaixo da média do mercado.
Segundo os empresários consultados por GZH, há empresas que oferecem preços menores para “alavancagem” e usam o dinheiro pago por uma festa futura para cobrir custos de outra que está sendo feita no presente, prática arriscada que pode fazer com que os eventos não saiam do papel. Por isso, recomenda Brucce, formandos podem consultar a Abeform para averiguar a confiabilidade das companhias do setor. A ÁS Formaturas, envolvida no caso da USP, por exemplo, não é associada da entidade.
No fim de janeiro, o programa Fantástico, da TV Globo, revelou que uma empresa sediada em Florianópolis aplicou golpes em formandos após ofertar pacotes tentadores, com viagens e decorações luxuosas a preços baixos. Logo após, uma turma de medicina da Universidade de Caxias do Sul (UCS) tentou cancelar no Procon caxiense um contrato que firmou com essa empresa, que chegou a aplicar um golpe de R$ 3 milhões em futuros médicos de Maringá, no Paraná.
— Um dos principais erros que mapeamos e enfrentamos hoje é que estudantes se deslumbram muito com brindes e eventos que fogem da capacidade financeira da turma. Não existe almoço grátis. A empresa precisa ganhar. Foi um problema para nós desenvolvermos um projeto de marketing porque trabalhávamos muito com racional e turmas agem de modo emocional — diz Nemésio, sócio do aplicativo Sua Formatura.
Como algumas universidades gaúchas acompanham formandos
De acordo com Brucce, instituições de Ensino Superior não costumam intermediar os contatos entre formandos e produtoras. Números do Mapa do Ensino Superior, mantido pelo Instituto Simesp, apontam que cerca de 70,9 mil estudantes concluíram suas graduações no Rio Grande do Sul em 2020, cerca de 60% deles alunos da modalidade presencial. No total, são 554 instituições de Ensino Superior no Estado.
GZH contatou a Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos), a Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) para questionar como as instituições mediam a interlocução entre formandos e empresas de formatura.
A PUCRS disse manter um banco de empresas cadastradas que serve para informar os estudantes de companhias “legalmente estáveis” e que “possuem experiência na área de formaturas em instituições de Ensino Superior”. Os contratos são feitos pelos alunos, mas a universidade afirmou participar dos encontros com essas empresas e realizar feedbacks com os estudantes.
Já a Unisinos informou ter um setor responsável por manter contato com alunos, comissões de formatura, fornecedores e produtoras para evitar episódios como o ocorrido na USP. A instituição disse ter um banco com 10 produtoras cadastradas e afirmou que revisa os contratos firmados pelas comissões de formatura para certificar que ele atende aos protocolos da universidade.
A UFRGS afirmou que não credencia produtoras e que “os formandos têm liberdade na escolha”. As regras da instituição se aplicam à cerimônia de formatura e ao uso de espaços da universidade. Existe uma normativa que estabelece como comissões de formatura devem ser formadas, mas, na prática, elas “são organizadas pelos formandos de maneira bastante autônoma”, segundo a nota enviada a GZH.
A UFCSPA disse que mantém um banco de produtoras credenciadas que precisam atender às normas da instituição. Os formandos têm autonomia para contratar uma das empresas listadas, mas também devem seguir as regras estipuladas pela universidade para a realização da colação de grau, de acordo com a instituição.
Festeje a formatura sem medo de sofrer um golpe
Especialistas ouvidos nesta reportagem dão as dicas:
- Em formaturas que envolvem altos valores, a turma deve criar um CNPJ de uma associação sem fins lucrativos para a gestão dos fundos com um estatuto que exija a autorização de, no mínimo, dois formandos para movimentações financeiras.
- Faça relatórios mensais de rendimentos, arrecadações ou pagamentos para que toda a turma acompanhe a situação dos fundos, ou utilize aplicativos que permitam aos estudantes acompanharem e aprovarem o uso dos recursos.
- Antes de contratar uma empresa de eventos e formaturas, faça uma pesquisa de mercado e desconfie de preços com descontos superiores a 15% da média no mercado ou de grandes brindes e promessas.
- Antes de firmar contrato com uma empresa, verifique a documentação dela, a sede, existência de sócios, histórico de eventos realizados e se está associada a entidades, como a Abeform, que também pode ser consultada por formandos. Faça o mesmo na hora de escolher aplicativos.