Por Wagner Machado
Jornalista e doutorando em Comunicação (PUCRS)
Gabriel Bandeira
Jornalista
Faz dois anos que assassinaram Beto Freitas no estacionamento de um supermercado de Porto Alegre. No mês seguinte, uma abordagem da polícia resultou na morte de Jane Beatriz, na Vila Cruzeiro. Em outubro deste ano, em show em um famoso clube da cidade, Seu Jorge foi chamado de macaco. Um negro que serve para dançar, cantar, fazer rir e entreter. Não para se expressar. Nunca para ser livre.
Um dos pontos que ligam esses três casos é a negação do racismo. Como se mais de três séculos de escravização legalizada não tivessem deixado marcas na nossa sociedade. Um cobertor branco da paz que cobre um corpo ferido ficará ensanguentado. Antes, é preciso limpar e curar as feridas. Sangrado pelo processo de escravização mais longo da humanidade, o Brasil se recusa a encarar o seu racismo histórico. O mito da democracia racial, somado a uma mestiçagem higienista de abusos e estupros, permite que se mate em uma noite e se negue na manhã seguinte, com as mãos ainda sujas de sangue.
No Rio Grande do Sul dos Lanceiros Negros, de Oliveira Silveira e da capital mais desigual entre negros e brancos do país (em 2017, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), falar do óbvio é dividir. Política afirmativa é radicalizar. Oferecer soluções incomoda e se calar garante emprego. Oportunizar que negras e negros ocupem espaços de visibilidade como fontes, repórteres e apresentadores é combater séculos de propaganda racista contra o nosso povo, origem do estereótipo do negro bandido e da negra doméstica. Mentiras em que tu acreditas e atravessas a rua. A polícia acredita e enche de bala.
Em 2021, de 134 repórteres e apresentadores das sete principais emissoras do Rio Grande do Sul, apenas oito eram negros, sendo três mulheres e cinco homens. Cabe salientar que a televisão é a mídia mais vista no Brasil, tem mais audiência do que rádio, jornal e internet. Esse é um reflexo direto do racismo estrutural e institucional que segue em vigor nos veículos de comunicação. Não há caminho para uma comunicação antirracista onde o negro e o indígena não sejam protagonistas. Não adianta contratar um profissional e achar que a falta de diversidade está resolvida. Queremos o pecado pelo exagero, não pela ausência.
Mais do que no passado, a comunicação exerce importante papel na produção, legitimação e perpetuação do lugar-comum. Não é tarefa difícil acessarmos a internet, escutarmos o rádio, lermos o jornal e assistirmos a novelas e filmes e constatarmos que, apesar estarmos no país com a segunda maior população negra fora do continente africano, o destaque nessas mídias é desproporcional e há um pacto, nem sempre silencioso, com os valores estéticos da branquitude.
Afinal, os constantes xingamentos aos jogadores negros nos estádios ganharam a devida repercussão? Quem são os editores e escritores negros que decidem o que entra e o que sai no jornal e na novela? Quais foram os desdobramentos dos atos que tentavam deslegitimar a bancada negra da Câmara Municipal de Porto Alegre? Por que a negritude, via de regra, só vira pauta em situações de racismo, no mês de novembro ou no Carnaval? De onde vem a legitimação para escrever que uma pessoa é neta de escravos e não descendente de africanos?
Qual razão para ainda não abolirem do vocabulário termos como mulata, da cor do pecado, denegrir, samba do crioulo doido, cabelo ruim, inveja branca e serviço de preto? As perguntas são muitas e a certeza é uma só: falta representatividade nas redações. E a pouca presença de pessoas pretas na comunicação incide no produto final, que é entregue ao consumidor, pois ele não reflete a realidade e contribui para a manutenção do racismo.
O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravização, mas os resquícios desse período cruel e desumano ainda são perceptíveis também através do preconceito, discriminação e injúria racial. Nesse contexto, é urgente e tardio o reconhecimento da relação entre o silenciamento dos povos sulbaternizados e o brancocentrismo do conhecimento midiático. Para além disso, fortalecer a comunicação antirracista é dispor o conhecimento dos profissionais que atuam nessa área como instrumento de promoção à igualdade racial, reforçando a valorização da história, da cultura e das pessoas afro-brasileiras.