Por Abrão Slavutzky
Psicanalista e escritor
Ao nascer, todo bebê recebe um nome e um sobrenome, logo, é um antigo futuro sujeito. Antigo porque tem um passado marcado pelos pais que o nomearam, e futuro porque tem a vida pela frente, daí a expressão antigo futuro sujeito. Nomear uma criança é fazê-la ingressar na ordem das relações humanas, é dar-lhe uma história familiar imaginária e simbólica. Linhagens materna e paterna formam um fio de Ariadne transgeracional que indica um caminho, mas será a criança e depois o adulto que constroem o caminho, ao se apropriarem de seu próprio nome ao longo da vida. O nome é originado por desejos inconscientes dos pais, logo, desconhecido, daí ser o nome uma interrogação.
“O que há em um nome” tem uma longa história, pois já os egípcios da Antiguidade tinham no nome mais do que um signo de identificação: o nome era coisa viva. Na Bíblia, existem só os nomes, como Israel (que primeiro foi Jacó), José, Moisés. O mesmo ocorreu na cultura helênica, com Sócrates, Platão, Aristóteles. No meio da Idade Média começa, lentamente, o sobrenome, para diferenciar as pessoas pelo aumento da população. Já no Renascimento os sobrenomes se popularizam e os registros são feitos pelas religiões, até a Revolução Francesa. A partir daí, nascimento, casamento e óbito são registrados; no Brasil, os registros se iniciam na segunda metade do século 19.
“O que há em um nome?” é a pergunta que Julieta se faz na famosa peça Romeu e Julieta, de Shakespeare, no Ato II, Cena II: “Somente teu nome é meu inimigo. Tu és tu mesmo, seja ou não um Montecchio. Que é um Montecchio? Não é mão, nem pé, nem braço, nem outra parte qualquer pertencente a um homem”. O centro da primeira grande tragédia de Shakespeare revela como a ingênua Julieta, com seus 13 anos, não sabia o que é um nome. O nome é origem, ascendência, tem materialidade, é um segundo corpo que reveste o primeiro como um hábito. A questão do nome próprio nasce no humanismo renascentista, como nos Ensaios de Montaigne.
O nome é central em Romeu e Julieta, a tragédia do amor impossível, do amor como sintoma do ódio, do amor destinado à morte. Em geral, atribui-se a morte de Romeu e Julieta só à rivalidade familiar; o jovem casal é visto como a vítima das famílias. Entretanto, também foi marcado psiquicamente pela guerra narcisista do nome familiar. A paixão na qual o intenso desejo posto em tensão terminou em morte.
“O que é um nome próprio? O que é o nome próprio, onde está o sujeito aí dentro?”, pergunta Jacques Lacan em seu seminário sobre Identificação. O nome é um processo de subjetivação, uma operação complexa que humaniza o infans, aquele que ainda não fala, é inserido no simbólico, na lei e na cultura. Assim seguirá a construção da novela familiar, com seus mitos e neuroses. Uma recomendação clínica é que o analista deve sempre atentar ao nome próprio, pois ele nunca é indiferente, o nome chama a falar. Um exemplo que Lacan dá é o de Sig, um apelido de Freud dado pela mãe, marcando aí um traço significante do nome próprio do seu filho de ouro – assim chamado por ela. Portanto, no primeiro exemplo de esquecimento de nome estrangeiro no livro Psicopatologia da Vida Cotidiana, Freud esquece um pintor criando uma série metonímica signor... her, herr... até Signorelli – o nome próprio do pintor italiano que fez os afrescos da catedral de Orvietto. Esse esquecimento, um ato falho, aponta para o recalcamento de lembranças desagradáveis – a morte por suicídio de um paciente de Freud que sofria de impotência sexual. O significante recalcado é Sig, a forma como a mãe chamava seu filho, que não quer pensar em sua velhice e na proximidade da morte.
“O que há em um nome?” é também a pergunta do escritor José Saramago em seu livro Todos os Nomes, que tem como epígrafe: “Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens” – uma frase que é um paradoxo no qual se sabe o nome que se tem, mas não se conhecem as raízes do nome. O nome tem três funções: identificação, filiação e projeto. Cada função é um todo, um tema, mas, além disso, o nome próprio tem uma história. O nome também é uma ferida narcisista, um buraco na onipotência, por isso que o Todo-Poderoso, quando perguntado na Bíblia quem é, responde: “Sou quem sou”. Apropriar-se do nome é uma odisseia que transcorre ao longo da vida, daí que o significante nome próprio sempre chama a falar.