A trajetória do ser humano está marcada por conversas. Em especial por frases que guardamos na memória, frases que tocam a alma. Quando uma palavra nos toca, gera reações ao excitar fantasias inconscientes. As conversas são indispensáveis, pois dispersam a escuridão, aliviam a solidão, animam e são verdadeiros remédios da alma. A arte da conversa constrói os amores da vida, e requer o importante silêncio de escutar, um silêncio que vale ouro. Precisamos do outro para sonhar e manter viva a imaginação. Imaginemos, então, que faz parte da nossa conversa Gabriel García Márquez.
Um escritor fala escrevendo, logo abrimos seu livro autobiográfico Viver para Contar. García Márquez relata que, na juventude, teve uma broncopneumonia dupla devido ao fato de ser fumante de cinco carteiras diárias. Esteve internado, quase morreu, mas seguiu fumando escondido no banheiro do hospital. Decidiu então que preferia morrer a parar de fumar. Alguns anos depois, conversava com amigos num jantar em Barcelona, quando um psiquiatra comentou que o vício mais difícil de deixar é o do cigarro. O escritor colombiano perguntou por quê. E escutou: "Deixar o cigarro é como matar uma pessoa querida". Na hora, García Márquez decidiu esmagar o cigarro no cinzeiro e nunca mais fumou.
Essa conversa, numa distante noite na capital da Catalunha, mudou sua vida. O escritor nunca desejou saber por que deixou de fumar. Na verdade, sentiu-se desafiado a matar o cigarro como seu acompanhante. Ele, sem saber, rompeu uma relação narcisista infantil que o amparava ao acender cada cigarro. O infantil, às vezes, pode ser uma força de morte, mantendo o sujeito dependente do amparo dos progenitores. Portanto, renunciar ao cigarro, ou a qualquer vício, pode ser uma ameaça de desamparo insuportável. Na verdade, é comum mantermos raízes infantis que geram sofrimento, o poderoso masoquismo, e das quais não conseguimos nos libertar. A frase do psiquiatra em Barcelona tocou a alma do autor de Cem Anos de Solidão de tal forma que ele matou sua dependência mortífera. O escritor, diante do desafio de matar, decidiu provar que era capaz de separar-se do cigarro sem morrer. Perdeu o cigarro como amparo, e assim enfrentou o desafio do vazio. O importante foi que nunca mais fumou e pôde assim seguir escrevendo por muito tempo.
Se vivemos mesmo para contar, conto que, de criança, escutei a história de Ali Babá e os 40 ladrões. Fiquei fascinado com a frase-chave: "Abre-te, sésamo". O poder mágico dessa sentença, de abrir uma montanha, povoou meu imaginário. Lembro até de ter dito a frase diante de alguma porta ou ante as rochas de uma montanha. Apesar de fracassar nessas tentativas, ficou na minha memória o mais importante: as frases, as histórias abrem portas e podem mudar o ponto de observação com o qual se vê o mundo. Uma conversa alivia o nó da nossa solidão. Felizes os que aprendem a conversar, o que envolve a difícil arte de escutar. Não por acaso, os que aprendem a escutar são tão valorizados.
Um dos primeiros pensadores a praticar a conversa foi Sócrates, na velha Atenas, marcando os inícios da Filosofia. Dois mil anos depois, Montaigne escreveu em seus Ensaios: "O mais proveitoso e natural exercício de nosso espírito é, a meu ver, a conversação". Aprendeu a arte de conversar com o maior de seus amigos, Étienne de La Boétie, autor do Discurso sobre a Servidão Voluntária. Juntos, conversavam com alegria durante horas a fio. Aprender a conversar expressa crescimento na convivência, são os vínculos fraternos que diminuem o peso do viver. As parcerias para dialogar são essenciais na construção da verdadeira riqueza do reino humano.
Depois de García Márquez e Montaigne, ocorre a mim convidar uma das primeiras feministas da história. Seu nome é Berta Pappenheim, que definiu o que viria a ser o futuro tratamento analítico como uma talking cure – ou seja, conversas que curam. Ela também é conhecida como Anna O., e isso desde o final do século 19, quando as conversas já eram importantes na vida em sociedade. Naquela época, precisamente em 1896, Freud inventou a palavra "psicanálise", que inaugurou uma nova forma de conversar: um mais fala (o analisando) e outro mais escuta (o analista). A análise permite que o paciente conheça novas versões sobre sua história à medida que descobre quem eram mesmo os seus pais e o lugar que ocupou no desejo deles. As histórias psicanalíticas são, geralmente, saborosas, pois nelas se juntam sonhos, amores, ódios, em conversas ora tensas, ora soltas e até engraçadas.
Tive a felicidade de ser paciente de Cyro Martins. Depois da análise, fizemos um livro de entrevistas – intitulado Para Início de Conversa – sobre sua vida e obra. Após isso, nos encontramos já como amigos, para falar de tudo um pouco. Um dia, Cyro adoeceu gravemente e começamos a nos ver uma vez por semana. Falávamos durante uma hora, e um dia tivemos, sem saber, aquela que seria a nossa última conversa. Nesse dia, ele se pôs a contar uma passagem triste de sua história. Foi uma amargura vivida, portanto, abriu seu coração como nunca havia feito até então. Ao terminar, fez-se um silêncio, eu estava surpreso e ele ficou aguardando o que eu diria. Não sabia o que dizer, então falei que talvez ele tivesse contado um grande sofrimento para eu não pensar que sua vida tinha sido fácil. No mesmo instante, fez "sim" com a cabeça e ficamos silenciosos. Em outras palavras, ajudou-me a saber, mais uma vez, que nós, humanos, sendo analistas ou pacientes, nos unimos nos infortúnios.
As conversas aliviam, mas também podem afundar. O neurologista e escritor Oliver Sacks, em seu livro autobiográfico Sempre em Movimento, recorda uma frase de sua mãe. Ela era médica cirurgiã. Ao saber que ele tinha inclinações homossexuais, disse: "Quisera que você nunca tivesse nascido". As palavras da severa mãe o perseguiram, às vezes sangrando na alma do jovem Oliver. Ele tentou entender a mãe, e no final da vida pôde ser grato aos pais. Agradeceu também, no livro, aos 49 anos de tratamento psicanalítico que fez. Foram conversas marcantes em sua vida criativa de escritor e médico.
Um caminho novo para conversar em nossos tempos é o da internet, com e-mails, Facebook, WhatsApp, Instagram. Perguntei à minha neta adolescente sobre a importância das redes sociais em sua vida. Ela disse que o celular faz parte de seu cotidiano, pois participa de grupos nos quais não só se falam diferentes temas, mas também publicam seus escritos. Confesso que seu depoimento diminuiu meus preconceitos com a modernidade. Há pessoas que se sentem mais soltas ao digitar do que ao falar. Há também grupos profissionais na internet que publicam artigos, ou grupos familiares. São as conversas velozes do século 21, em que todos parecem conectados. As redes aliviam a solidão. Entretanto, as conversas mais profundas, hoje, são mais difíceis. Pela aceleração cotidiana e o aumento da cultura narcisista.
Estamos carentes de bons diálogos e de palavras marcantes. No fundo, precisamos do espanto, da surpresa. Espanto, em grego, é "thaumázein". Fiquei espantado com essa palavra, pois o conhecimento nasce dela. Do espanto também nasce a poesia, à medida que obriga a pensar, mas também desperta as emoções, a vivacidade pura. Estamos, assim, no terreno da imaginação de um "Abre-te, sésamo", para perceber como as palavras mudam a vida. Conversas emocionam, podem ser eróticas, geram um excitante prazer, o prazer de falar, de escutar, de construir pontes fraternas. Emociona o clima saudável de um escutar o outro desarmado, e assim melhora a nossa confiança. O essencial sempre é a imaginação, a imaginação do amor, do humor, a imaginação criativa. Viver com amor e humor é a verdadeira conquista do Everest. As conversas carinhosas e alegres expressam nossa capacidade criativa. É possível imaginar, por exemplo, um outro tipo de conversa. Ao ler livros, entrevistas e artigos, é possível pensar que os autores conversam conosco. Contam histórias, novidades, e nos ajudam a encantar o dia a dia.
Uma boa conversa é feita de histórias. Logo, conto a saideira sobre a música e a beleza. Numa manhã de 2007, um violinista tocou num metrô de Washington. Foram obras de Schubert e outros clássicos que podiam se escutar por uns 40 minutos. Mil e cem pessoas passaram sem deter seu passo. Sete pararam por um instante. Ninguém aplaudiu, crianças desejaram ficar, mas foram arrastadas por adultos. Ninguém sabia que o violinista era Joshua Bell, um dos mais virtuosos do mundo. O jornal Washington Post foi quem organizou tudo e, ao final, propôs uma questão: "Você tem tempo para a beleza?". E agora pensando também na importância das boas conversas fica outra pergunta: temos tido tempo para as boas conversas?