Entre algumas pessoas, existe a ideia de que solteiros que utilizam aplicativos como Happn e Tinder buscam apenas relações casuais, ou seja, sem envolvimento romântico ou compromisso emocional. Por medo de julgamentos decorrentes dessa premissa, muitos desistem de usá-los. Mas uma nova tendência comportamental, chamada de oystering, vem trazendo justamente o contrário: um conforto em exercer o papel de solteiro e usufruir dessas plataformas não somente com a pretensão de encontrar um parceiro sexual.
O termo foi utilizado primeiramente pela plataforma Badoo, no início deste ano, e logo se espalhou para outros aplicativos. De acordo com Betina Predebon, psicóloga clínica e especialista em terapias cognitivo comportamentais, a palavra faz menção à frase “the world is your oyster” (o mundo é sua ostra, na tradução literal), de William Shakespeare.
Assim, traz a ideia de que as pessoas, dentro de seus mundos, podem desfrutar desses ambientes e que, neles, podem haver pérolas. Ou seja, dá uma conotação de que você pode curtir a vida, conhecer pessoas e que isso pode te levar a encontrar um relacionamento amoroso, explica a também mestranda em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), onde pesquisa sobre relacionamentos amorosos e uso das tecnologias:
— A frase, em inglês, é usada para trazer uma noção de tranquilidade, de aproveitar a vida, desfrutar desses momentos e, se algo valioso vier disso, ótimo. Só que tira a ideia de precisar ir em busca e viver de acordo com o que as pessoas estão pensando.
Segundo Betina, o termo oystering se refere aos solteiros que estão mais confortáveis com o uso de aplicativos de relacionamentos, porque perceberam que podem fazê-lo de forma tranquila e fluída, conforme suas próprias necessidades e sem tantos preconceitos. Portanto, entendem ser possível entrar nas plataformas simplesmente para conversar com outras pessoas, deixando claro seu objetivo, mas também mantendo a possibilidade de manifestar o desejo de encontrar esse indivíduo pessoalmente, caso a interação avance.
Apesar de ter ganho destaque nos últimos meses, o movimento de utilizar esses aplicativos não somente com a pretensão de encontrar um parceiro romântico ou sexual já era observado por pesquisadores internacionais há pelo menos cinco anos e foi impulsionado pela pandemia, aponta a psicóloga. Entre os outros motivos para buscar uma interação pelas redes sociais, estão: conhecer pessoas novas ou com interesses semelhantes, fazer amizades e elevar a autoestima despertando o interesse de outros usuários.
— Nada impede que esse contato gere um relacionamento, mas a pessoa pode entrar por qualquer motivo. Já era observado que muitas pessoas faziam isso, mas acredito que o termo venha para legitimar essa prática, para que as pessoas passem a reconhecer isso como algo ainda mais possível — opina.
Para Michele Terres, psicóloga e professora da Universidade Feevale, a nova tendência ganhou destaque porque representa uma mudança de comportamento entre os indivíduos. Isso porque as pessoas estavam com medo de se relacionar durante a pandemia de coronavírus e, com a melhora do cenário epidemiológico neste ano, foi possível voltar a pensar em conhecer pessoas novas e construir relações.
Ela comenta que, entre especialistas, era esperado que algumas pessoas se jogassem em relacionamentos ou se retraíssem para longe deles quando as medidas de prevenção contra a covid-19 fossem flexibilizadas. Mas, ao contrário disso, o que se teve foi um movimento saudável e corajoso para recomeçar as interações sociais, com indivíduos aceitando a solteirice e decidindo experimentar a vida.
— Esse fenômeno social gera curiosidade porque estamos vivendo um momento em que as pessoas se abrem novamente para os relacionamentos. Estamos saindo de uma época traumática e isso demonstra uma esperança em quem está nesses aplicativos e aceita estar solteiro no momento, mas dá uma abertura para novos relacionamentos — afirma Michele.
Outros termos para relacionamentos
De acordo com Betina Predebon, o termo que mais se destacou em 2021 foi F.O.D.A, da frase “fear of dating again”, que significa “medo de namorar novamente”. A expressão era usada para se referir às pessoas que permaneceram solteiras durante a pandemia e, após o período mais crítico da crise sanitária, ficaram receosas de se expor amorosamente.
A psicóloga ressalta que, nos últimos anos, vários outros termos relacionados ao uso das tecnologias de relacionamento apareceram, sendo grande parte com conotações negativas e oriunda de palavras em inglês. Ghosting, por exemplo, fala sobre pessoas que simplesmente desaparecem — deixando de atender ligações ou responder mensagens e inclusive bloqueando a outra pessoa — sem dar nenhuma explicação. Já breadcrumbing refere-se às “migalhas” (pequenas demonstrações de atenção e conexão) que muitas vezes são observadas na troca afetiva.
— Isso fomentava muito esse preconceito em relação ao uso de aplicativos de relacionamentos. Claro que temos que debater e ver as consequências psicológicas disso, mas pela primeira vez temos um termo (oystering) que traz de uma forma positiva o uso dessas plataformas. E acho bem importante que possamos ver vantagens nesse uso, porque realmente tem sido uma ferramenta que tem ajudado muitas pessoas a se conhecerem, se conectarem — defende Betina.