O caso do homem suspeito de conquistar mulheres para obter vantagens financeiras na serra gaúcha serve de alerta para os relacionamentos que começam pela internet. Após a divulgação da reportagem, outras mulheres que se dizem vítimas procuraram GZH para apresentar versões semelhantes ao relatado. Guilherme Selister, 27 anos, foi indiciado em, pelo menos, dois inquéritos da Polícia Civil, um em Farroupilha e outro em Caxias do Sul, por estelionato.
A psicóloga e conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul Luciana Fossi lembra que a confiança é um processo que se constrói com reciprocidade. Diz que há relatos que chegam a ela de pessoas que se expõem demais para o outro sem que o mesmo ocorra em troca.
Cita, por exemplo, quando uma das partes permite que o outro frequente sua casa, conheça sua família e seu local de trabalho, sem que haja essa mesma iniciativa do outro lado:
— Quando o outro acaba tendo uma vida reservada, misteriosa, a gente tem que ter cuidado na exposição da nossa vida. As relações precisam ser marcadas por algo recíproco.
A psicóloga lembra que como as relações atualmente têm sido, muitas delas, curtas, quase não dá para ter muita informação sobre a outra pessoa. No entanto, destaca que algumas medidas podem ser tomadas para evitar maiores riscos.
— Nesse aspecto, é importante que as pessoas tenham um cuidado de não se expor a situações de risco quando ficam vulneráveis. Onde vai ser esse encontro? Que seja num local público, que outros saibam onde você está. Ter uma rede de apoio é importante para termos uma retaguarda — frisa a psicóloga.
Luciana diz que a mulher já está numa condição de risco pela simples condição de ser mulher. Por isso, a cautela se torna ainda mais necessária.
— Onde envolve afeto, a gente perde uma parcela da racionalidade. A gente perde a capacidade de ter discernimento em relação ao outro. Os afetos podem nos deixar vulneráveis — alerta, ao acrescentar que “o juízo crítico fica afetado pelos sentimentos envolvidos”.
O professor de Direito Digital da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) Juliano Madalena cita a“relação de vulnerabilidade agravada”. Lembra que as relações pessoais e profissionais pela internet têm suas vantagens, como a comunicação alcançar mais pessoas. Mas, segundo ele, existe esse agravamento de vulnerabilidade porque se perdem alguns atributos próprios do mundo tangível, das relações presenciais.
— Considerando isso, existem alguns instrumentos à disposição das pessoas. As plataformas têm parcela de contribuição nas relações dos usuários/consumidores. As pessoas devem buscar ao máximo a identificação dos consumidores nesse ambiente. Não é pelo fato de estarmos na internet, que isso seja apenas um espaço de conexão. É um espaço, também, de intermediação — pondera Madalena.
O professor lembra que a plataforma serve como uma espécie de guardião dos nossos dados e que essa função tem o objetivo de viabilizar ao máximo a segurança. Para Juliano Madalena, esses métodos estão sendo melhorados pelas empresas responsáveis pelos aplicativos. Mas ele também lembra que, de outro lado, há pessoas buscando a melhor forma de lesar o outro por meio dessas plataformas.
— São perfis fakes e fotos e nomes de terceiros para atrair alguém para um relacionamento e poder provocar dano a essa pessoa, por exemplo. Mas também há casos como esse (do suspeito de golpes na Serra), que se utiliza do seu perfil, da sua foto e do seu nome para usar a plataforma e atrair a vítima para o golpe — relata o professor, dizendo que em casos como esses é muito difícil responsabilizar a plataforma.
Juliano Madalena diz que algumas medidas simples são importantes para evitar golpes em redes sociais:
- Sempre que for se relacionar através de uma plataforma, busque investigação própria de referência da pessoa. Seja através uma pesquisa no Google, por exemplo, ou através de amigos que possam conhecer essa pessoa
- Se eventualmente marcar algum encontro presencial com ou sem referência da pessoa, compartilhe a sua localização com amigos ou familiares
- Busque sempre locais públicos nos primeiros encontros
- Evite pegar carona no primeiro encontro com a pessoa que convida você para sair
- Nunca envie fotos para pessoas desconhecidas
O promotor Roberto Carmai Duarte Alvim Júnior é coordenador do CyberGaeco do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Esse Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado tem como objetivo identificar, prevenir e reprimir as atividades das organizações criminosas, de corrupção de agentes públicos e de lavagem de dinheiro cometidos na internet. Também tem a função de dar apoio aos setores da instituição que precisem de um trabalho técnico na área.
— As pessoas precisam compreender que o ciberespaço é um local perigoso. Assim como a gente toma cuidado nas ruas, no mundo físico, é preciso tomar o mesmo cuidado no mundo digital — ressalta Alvim.
O promotor diz que o cibercriminoso trabalha muito com o senso de urgência das pessoas. Diz que é preciso cuidar aquelas situações digitais em que você precisa tomar uma decisão rapidamente.
— Não custa nada perguntar para um amigo, um parente, se aquela situação faz sentido. As pessoas mesmas se colocam nessa situação de acreditar em tudo que veem na internet — acrescenta o promotor.
Alvim também alerta que as pessoas devem evitar a divulgação de muitas informações pessoais, como fotos identificando a residência onde moram e rotina de vida, por exemplo.
— Pelas redes sociais muita gente se expõe, expõe seus filhos, expõe seu trabalho e fornecem muitos dados para alguém que tem uma intenção maliciosa — alerta o promotor.
Contraponto
GZH falou com Guilherme Selister, que, porém, preferiu não se manifestar. Direcionou o assunto para o advogado Antonio Arbuggeri. A reportagem enviou uma série de perguntas ao defensor. No entanto, ele se limitou a mandar a seguinte mensagem:
"O cliente me passou que sempre esteve à disposição da Polícia Civil e da Justiça para esclarecer o ocorrido e que irá comprovar sua inocência na Justiça. Quanto aos fatos a ele imputados, disse que são descabidos e sem comprovação, e que não recebeu até o presente momento qualquer notificação judicial para dar sua versão dos fatos".