O israelense Shimon Hayut passou anos conquistando mulheres para aplicar golpes. Sempre com o cabelo bem cortado, usando roupas de grife e aparecendo nas redes sociais dentro de jatinhos e carrões, se passava por um bilionário dos diamantes chamado Simon Leviev. Quando conquistava as pretendentes, o vigarista começava a tirar dinheiro delas.
A história, contada no documentário da Netflix O Golpista do Tinder, mostra semelhança com atos que teriam sido praticados por um homem no Rio Grande do Sul: Guilherme Selister, 27 anos. Conforme relato de supostas vítimas, o gaúcho teria conseguido obter dinheiro de mulheres que acreditaram em suas histórias.
Pelo menos dois casos já resultaram no indiciamento do homem por estelionato, ambos na serra gaúcha, região onde mora e concentra a atuação. Em um deles, uma mulher de 29 anos teria perdido cerca de R$ 70 mil. Em outro, donos de um estabelecimento comercial teriam desembolsado em torno de R$ 85 mil.
Outras mulheres procuradas pela reportagem de GZH, que teriam sido vítimas do mesmo homem, ou não responderam ou preferiram não falar alegando medo do suspeito.
Para conquistar as vítimas, ele já teria se passado por nutricionista, veterinário, engenheiro, cardiologista, bombeiro, militar do Exército e reservista da Marinha do Brasil. Está nos principais aplicativos de relacionamento, entre eles, Tinder e Inner Circle.
Com quase 1m90cm de altura, aparece sempre com a barba bem feita e bem-vestido nas fotos. Ele também agiria por meio do Instagram, onde tem mais de 15 mil seguidores, a ampla maioria mulheres — a conta é fechada, ou seja, é preciso solicitar acesso para conseguir visualizar as publicações.
GZH conseguiu ver todas as postagens, recheadas de frases motivacionais. Em boa parte das vezes, Selister aparece sem camisa ou na academia. Também há fotos vestindo roupas usadas em cirurgias e estetoscópio no pescoço, dando a entender ser médico ou estudante de Medicina.
A defesa de Selister nega os episódios atribuídos a ele e diz que o cliente irá comprovar a inocência na Justiça (veja contraponto completo ao final do texto).
Como a relação começava
Em um dos casos, Maria (nome fictício) conta ter conhecido o homem em novembro de 2019, por meio do aplicativo Instagram. Teria perdido cerca de R$ 70 mil com ele.
Antes de começar um relacionamento que parecia sério, ela diz que Selister aparentava ser uma pessoa bem estruturada financeiramente, trabalhando como nutricionista em dois hospitais e tendo consultório e apartamento próprios. Segundo contou à suposta vítima, tudo isso devido à carreira na Marinha, como tenente.
— Após iniciarmos uma relação, ele abriu histórias da vida pessoal, dizendo que não aguentou ficar na Marinha devido aos traumas e às lesões que sofreu nesse período. Uma dessas lesões era muito delicada e acabou criando um coágulo no cérebro. Por isso, ele precisava fazer cirurgia o quanto antes — relata a mulher.
Aí teria começado o suposto golpe: nas semanas seguintes, uma pessoa que dizia ser o neurologista de Selister teria chamado Maria no WhatsApp para passar informações sobre o que seria o quadro clínico dele. Dizia que o jovem tinha muitos problemas de saúde e que, ao longo do período em que esteve na Marinha, teria sofrido lesões que precisavam ser reparadas.
Ainda conforme o suposto médico, Selister não teria relação com a família e, por isso, precisava contar com Maria para incentivá-lo a cuidar da saúde. GZH viu as fotos que o jovem teria enviado à mulher, mostrando supostos sangramentos no nariz e nos ouvidos causados pela dita pressão intracraniana.
Como ocorreriam os pedidos de dinheiro
De acordo com o relato da mulher, Selister dizia que a Marinha pagaria 40% da cirurgia e o restante teria que ser pago por ele. O procedimento custaria R$ 90 mil.
O homem contou ainda que teria processado a Marinha para conseguir o valor integral para a cirurgia, mas, para isso, precisaria pagar tudo antecipado, para pedir o reembolso. Ele disse que possuía R$ 60 mil e precisava do restante para conseguir pagar o procedimento. Também afirmou que teria feito um empréstimo e, mesmo assim, faltariam R$ 8 mil — quantia que teria sido uma das cedidas pela vítima ao suposto golpista.
Nesse momento, segundo relata Maria, apareceu um suposto "coronel da Marinha" que tentava dar veracidade à versão de Selister sobre o dinheiro que teria a receber da instituição, a título de indenização. O detalhe é que a Marinha não tem coronel entre seus postos e graduações.
— Ele dizia que não tinha recursos financeiros até o pagamento do processo, porque o consultório dele estava fechado devido à pandemia. Também que tinha sido desligado de um dos hospitais e precisava fazer alguns procedimentos para diminuir a pressão intracraniana para estar apto ao procedimento cirúrgico — lembra a mulher.
Maria, então, passou a bancar todos esses supostos procedimentos que aconteceriam quase que semanalmente. Também tinha que pagar por supostas medicações que ele necessitaria.
— Utilizei todo o meu recurso financeiro, fiz empréstimo e pedi emprestado para que ele não ficasse sem o tratamento — relata.
Selister também teria mostrado um documento indicando que teria R$ 140 mil a receber a título de indenização. A falsificação parece grosseira. Primeiro por trazer o símbolo e o nome do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), mas mencionando "autorizado por dois juízes federais". Segundo, porque falava em " juiz 'desembarcador' oficial" e não desembargador, como é a grafia certa. Os nomes dos magistrados citados realmente existem.
Em nota, o TJ-RS, por meio do Núcleo de Inteligência do Judiciário (NIJ), informa que "o documento em questão trata-se de falsificação grotesca dos registros oficiais emitidos pelo Poder Judiciário Estadual".
Conforme Maria, quando o dinheiro acabou, Selister arrumou desculpas para encerrar o relacionamento.
Indiciamento na serra gaúcha
Nos aplicativos de relacionamento, o homem suspeito dos golpes cita na sua identificação "Medicina" e "UCS", em referência à Universidade de Caxias do Sul. Segundo a instituição, contudo, Selister nunca foi nem é aluno do curso de Medicina da universidade.
Selister foi investigado pelo delegado da Polícia Civil Éderson Bilhan, de Farroupilha, e indiciado pelo crime de estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal, que prevê pena de um a cinco anos e prisão.
— Ouvimos, inclusive, o suspeito. E a partir do momento que tínhamos a história apresentada concluímos que existiam indícios suficientes de autoria e materialidade para indiciar o rapaz pelo crime de estelionato — afirma o delegado, que disse que o indiciado negou os fatos.
No entanto, segundo o policial, "não se sustenta a versão dele diante do material que se tinha". Conforme o Ministério Público (MP), o inquérito policial foi remetido à Promotoria de Farroupilha em fevereiro deste ano e está sendo analisado.
Donos de academia lesados
Além de mulheres, Selister também é suspeito de atacar em outras frentes. GZH encontrou o caso de um casal de sócios de uma academia de Caxias do Sul que teria perdido R$ 85 mil com ele.
Selister era aluno do local e teria dito aos sócios que precisava se preparar fisicamente para um concurso da Marinha. Também que precisaria de ajuda para encontrar algum lugar para morar. Com o passar do tempo, teria dito que o casal faria parte de sua equipe de treinos, que supostamente contava com médicos e nutricionistas.
Um grupo de WhatsApp foi criado por Selister, onde, conforme consta em inquérito policial obtido por GZH, o suspeito se passava por todos os integrantes. Ele teria prometido que o casal receberia 30% do valor obtido por ele em caso de vitórias em competições e recebimento de prêmios em dinheiro.
O tal "coronel da Marinha", posto que não existe na instituição, aparece nesse suposto golpe também. O casal teria recebido um contrato da Marinha, indicando que seriam efetivados como membros da equipe de treinamento de Selister. Mas que, para isso, seria importante incluir o jovem como sócio da academia. Foi então que o casal colocou 10% da empresa em nome de Selister.
Ele também teria mentido que teria desarticulado um esquema de fraude no Exército e que ele e o casal estariam correndo risco de vida por isso. Conforme consta no inquérito, chegou a dizer que estaria matando integrantes da suposta quadrilha para proteger o casal. Passados alguns meses, os sócios começaram a desconfiar que o dinheiro só saía e nada voltava.
Segundo o relato das vítimas, as pessoas do grupo de WhatsApp realmente existem, mas as histórias foram todas inventadas. O casal entrou em contato com os médicos citados, que disseram que nunca ouviram falar em Guilherme Selister. Os gastos que teriam sido bancados pelo casal de sócios incluiriam roupas, móveis, carro, combustível, viagens e até tatuagens. Teriam chegado a fazer um contrato de um ano de aluguel de um apartamento para Selister morar.
Conforme o Comando Militar do Sul e a Marinha do Brasil, Selister nunca fez parte dos quadros das duas Forças Armadas.
Nesse caso, o suspeito também foi indiciado pelo crime de estelionato. Entretanto, segundo o MP, como as vítimas não representaram criminalmente contra ele, o inquérito foi arquivado.
Contraponto
GZH falou com Guilherme Selister, que, porém, preferiu não se manifestar. Direcionou o assunto para o advogado, Antonio Arbuggeri. A reportagem enviou uma série de perguntas ao defensor. No entanto, ele se limitou a mandar a seguinte mensagem:
"O cliente me passou que sempre esteve à disposição da Polícia Civil e da Justiça para esclarecer o ocorrido e que irá comprovar sua inocência na Justiça. Quanto aos fatos a ele imputados, disse que são descabidos e sem comprovação, e que não recebeu até o presente momento qualquer notificação judicial para dar sua versão dos fatos".