O documentário O Golpista do Tinder, sucesso da Netflix, lançou luz a uma pauta comum, mas que gera discussões e opiniões divergentes: a vulnerabilidade no campo dos relacionamentos. Segundo especialistas, este é um terreno movediço e o Tinder é apenas um dos universos possíveis.
A produção da plataforma de streaming mostra o envolvimento da norueguesa Cecilie Fjellhøy, da sueca Pernilla Sjoholm e da holandesa Ayleen Charlotte com um homem que se apresentava na plataforma como Simon Leviev. Ele se dizia filho de um famoso bilionário que fez fortuna com a venda de diamantes. Com um discurso convincente, o farsante, que, na verdade, se chama Shimon Yehuda Hayu, ganhava a confiança das mulheres e conseguia que elas lhe repassassem altas somas em dinheiro. Para uma das vítimas, as perdas chegaram a cerca de US$ 200 mil. A história veio à tona a partir de reportagem publicada pelo jornal norueguês VG, em fevereiro de 2019.
Já em fevereiro deste ano, uma história aqui no Estado reascendeu o alerta sobre o tema. O gaúcho Guilherme Selister, 27 anos, teria conseguido obter dinheiro de mulheres que acreditaram em suas histórias (uma delas teria tido um prejuízo de R$ 50 mil) , de acordo com o relato de supostas vítimas ouvidas por GZH. Em junho, o homem voltou a ser notícia ao virar réu em ações criminais.
Conforme o advogado José Antônio Milagre, especialista em crimes cibernéticos e reputação online, se constatou um aumento significativo de relatos como os citados anteriormente.
- Nós constatamos um aumento substancial de vítimas, sobretudo no último ano, quando estes aplicativos se popularizaram, o que chamou a atenção de golpistas e fraudadores.
Golpes por meio de app de relacionamento se encaixam em dois tipos de queixas que a ONG Safernet Brasil recebe por meio do seu helpline, serviço gratuito e sigiloso para esclarecer dúvidas, ensinar formas seguras de uso da Internet e também orientar. São eles: problemas com dados pessoais, a queixa campeã no ano passado (27,7%), e fraudes/golpes, a terceira maior demanda do canal em 2021, com 17,3% dos atendimentos. O Helpline Brasil existe há 15 anos e faz parte da rede global de canais de ajuda e orientação Child Helpline Internacional, presente em 133 países.
Observe os sinais
Não há um perfil único de vítimas. Diretora responsável pelo canal da Safernet, a psicóloga Juliana Cunha afirma que qualquer mulher pode sofrer um golpe durante um relacionamento. E acrescenta um agravante:
Os golpistas são solícitos, comunicativos, utilizam fotos de terceiros e rapidamente tentam obter o máximo de dados pessoais ou sair do app para um contato privado, via WhatsApp, por exemplo
JOSÉ ANTÔNIO MILAGRE
Advogado, especialista em crimes cibernéticos e reputação online
- Nossa cultura machista, que alimenta expectativas e idealizações irrealizáveis sobre o amor romântico, faz com que as mulheres se tornem a vítima “perfeita” deste tipo de crime. E não só em aplicativos de encontros, mas na vida como um todo, haja vista os números alarmantes de feminicídio e violência contra mulher no últimos anos.
Já os criminosos, sim, apresentam um comportamento similar. Eles são sempre muito convincentes, alerta Milagre.
- Os golpistas são solícitos, comunicativos, utilizam fotos de terceiros e rapidamente tentam obter o máximo de dados pessoais da vítima ou sair do app para um contato privado, via WhatsApp, por exemplo - alerta o advogado. - Ele sempre vai tentar fazer a vítima se expor ou confidenciar algo. Golpistas sofisticados criam até perfis falsos e populados em redes sociais, para passar no teste da "investigação". Todo o cuidado é pouco.
Uma das recomendações básicas é evitar a conexão do perfil do app de relacionamento com redes sociais, pois isso permite que o criminoso levante informações rapidamente.
- Infelizmente, algumas pessoas optam pela facilidade de criar contas em apps de relacionamento a partir das redes sociais. O resultado é que a plataforma puxa dados pessoais e todas as fotos usadas nos perfis, o que pode revelar informações que podem ser usadas para golpes e fraudes - explica o advogado.
Caso tenha sido vítima, Milagre ensina que a pessoa deve preservar todas as conversas e provas e procurar ajuda de um advogado especialista. Os apps, no Brasil, pelo Marco Civil da Internet, têm o dever de guardar os registros de acesso à aplicação, incluindo endereço IP do importunador, por até seis meses.
- É erro pensar que estes criminosos não podem ser identificados - finaliza José Antonio Milagre.
Confira as dicas de especialistas para evitar cair em golpes
- Evite a conexão do perfil do app de relacionamento com redes sociais, pois isso permite que o criminoso levante seus dados pessoais rapidamente.
- Reavalie a superexposição de sua vida pessoal ou a utilização de imagens que permitam identificar onde você mora, quais seus horários, rotina ou hábitos. Evite compartilhar essas informações.
- No perfil do contato com quem está conversando, observe se a(s) foto(s) vêm de bancos de imagens ou são de outras pessoas. Você pode salvar as imagens suspeitas e fazer a busca reversa em sites como Google Imagens.
- Busque cruzar os dados do aplicativo com outras fontes e redes sociais. Vale a pena pesquisar inclusive em base de dados de processos na Justiça. Tudo que puder levantar de informações sobre a pessoa é importante.
- Desconfie quando alguém fizer muitas perguntas a seu respeito mas não for detalhista para falar de si mesmo. Questione algo em diferentes momentos e avalie se as respostas não trazem contradições.
- Peça ao crush um link de redes sociais e avalie a coerência entre o que é dito e o que os perfis mostram.
- Jamais passe telefone, e-mail ou outros contatos ou conteúdos e fotos sem antes avaliar a autenticidade de quem está do outro lado.
- Use a própria Internet e diferentes redes para verificar se aquela pessoa realmente existe, se trabalha com o que diz e analise as conexões que ela tem.
- Desconfie se a pessoa der desculpas para evitar encontros pessoais ou chamadas de vídeo. Ou se, quando as faz, a câmera fica desligada.
- Não clique em links enviados pelo perfil no chat do app.
- Antes de qualquer encontro físico, converse, conheça e se for se encontrar, escolha local público e sempre avisando previamente a pessoas próximas sobre o encontro.
- Evite receber um recém-conhecido virtual em casa logo de cara.
- Se a pessoa pedir foto íntima ou de nudez, reflita antes de enviar. Você realmente quer fazer isso? Se mandar a foto, tente não revelar seu rosto ou qualquer marca ou característica que possa identificar sua identidade. Procure aplicativos mais seguros que não permitam print (ainda assim, não há garantia de que a pessoa não salve a foto).
- Desconfie de relacionamentos que estão indo rápido demais.
- Não envie dinheiro para a pessoa, mesmo nos casos em que ela diz estar em uma emergência. Atenção: as justificativas podem ser bem emocionais. Os próprios apps de relacionamento dão essa orientação.
- Para ganhar sua confiança, pode acontecer de a própria pessoa lhe enviar dinheiro primeiro, para depois pedir o mesmo de você, só que num valor maior.
- Converse com um amigo ou amiga de sua confiança sobre o que está acontecendo e sobre o seu nível de envolvimento. Um olhar externo pode perceber pontos cegos ou inconsistências na história contada.
- Pesquise reportagens ou relatos de vítimas em casos de golpe nesse tipo de app e observe se as histórias contadas têm pontos similares ao que está acontecendo com você.