Um novo encontro, desta vez sem a urgência das chamadas que o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) costuma atender, ocorreu nesta sexta-feira (18), quando Shaiane Silva Porto, 25 anos, de Porto Alegre, visitou a equipe que trabalhou no seu resgate, 10 anos atrás. Em 2011, a jovem voltava caminhando para casa com uma prima, na Avenida João Wallig, zona norte da Capital, quando um carro invadiu a calçada e as atropelou. Shaiane foi lançada a seis metros do local e teve várias lesões e fraturas pelo corpo. Sua prima sofreu lesões nas pernas.
Em detalhes, ela recorda como o resgate da equipe do Samu a inspirou:
– O cuidado e a atenção que eles tiveram comigo... Eu estava toda quebrada, dentro da ambulância, e eles conversando, me acalmando. Sempre quis reencontrá-los.
Este ano, o desejo de demonstrar a gratidão aos socorristas aumentou. Em julho, ela se formou como bombeira civil, motivada pela ideia de também se tornar socorrista e ajudar outras pessoas.
– Vi a oportunidade de fazer o curso de Bombeiro Civil, mesmo com pessoas dizendo que eu não ia conseguir (devido às sequelas do acidente), nem tinha como eu pagar. Mas ficava com eles (a equipe) na minha cabeça. Desde o início, eu falava para os colegas que iria atrás deles para convidá-los para minha formatura. Mas só há pouco tempo consegui os contatos – conta a Shaiane, que almeja também seguir a carreira militar.
A jovem foi em busca dos nomes dos profissionais e, assim que conseguiu, dirigiu-se até a sede do Samu, na Avenida Ipiranga. Neste dia, por acaso, a enfermeira Ana Lúcia Athayde Maciel estava na recepção do prédio.
– A Shaiane me disse que estava atrás da equipe que a atendeu e me mostrou no celular os nomes. Eu disse que ela já poderia ficar feliz, pois uma pessoa ela já estava conhecendo, que sou eu. “Sou a enfermeira que te atendi”, disse a ela na hora. Fiquei tão emocionada, e ainda estou – recorda
Ana, que combinou com a jovem de organizar um reencontro com toda equipe.
Além de Ana, Shaiane e sua prima foram socorridas pelo motorista Antônio Prates e pelo médico Jorge Alberto Iscovitz – que antes da chegada de Shaiane precisou sair. Entre os três, apenas Prates lembrava do atendimento:
– Eu lembro da situação. Chegamos no local e eram duas vítimas adolescentes, mas a mais grave era ela.
Conhecidos de longa data
Quando Shaiane entrou na recepção do prédio da Samu, nesta sexta-feira (17), de cara reconheceu o motorista. No entanto, a lembrança não era do dia do acidente.
– Eu não acredito que era você – dizia a jovem.
Ela e Prates se conheciam do ponto de táxi em frente ao Hospital Cristo Redentor, onde o avô da jovem trabalhava. Prates, enquanto aguardava chamadas no plantão do hospital, costumava atravessar a rua para tomar um café com os taxistas.
– Eu conhecia o avô dela. Tinha um trailer de café no ponto de táxi e eu ficava por ali. Já tinha visto ela e não sabia do acidente – contou o motorista.
Emocionada em rever Ana e Prates, Shaiane conseguiu contar como foi motivada pela atuação deles:
– Estou me sentindo realizada, porque eu dizia para meu pai que eles eram meu heróis. Pode nem ser tão importante para eles, mas eu tinha que agradecer.
Em janeiro de 2016, o Diário Gaúcho contou a história da jovem. À época, Shaiane mostrou a superação ao desfilar como rainha de uma escola de samba, mesmo com dificuldades deixadas pelas sequelas do acidente. Ela tinha ficado 10 meses sem andar e enfrentou uma recuperação dolorosa. Até hoje, sente dores constantes.
– Depois que sofri o acidente, nunca pensei que eu fosse caminhar. Mas consegui vencer – afirma.
Retornos sobre os atendimentos são raros
Cerca de 30% dos atendimentos realizados pelo Samu da Capital são casos traumáticos – como o de Shaiane.
De janeiro de 2020 até agosto deste ano, foram mais de 18 mil casos desse tipo. Mas, segundo a equipe, são raros os casos em que eles recebem retorno sobre o paciente.
– O caso dela é uma exceção. A gente se sente gratificado quando conseguimos saber da evolução dos casos que atendemos, mais ainda quando o caso tem sucesso. Não é comum essa visita, porque muitas pessoas querem esquecer do trauma – conta o médico Iscovitz.
Conforme Ana, alguns retornos chegam por meio da ouvidoria.
– Normalmente, retornos positivos são de pessoas que conhecem alguém que conhece a equipe. Por ter o vínculo, eles dão retorno positivo. Fora isso, são contatos sobre queixas. Mas de vir aqui, pessoalmente, e conhecer a equipe que atendeu, é difícil acontecer. A gente nem imagina o quanto pode ser significativo na vida de uma pessoa e o quanto podemos estimular – reconhece.