Regras para a família em casa, uso de ferramentas do celular, busca por grupos de apoio e até promessa. Para colocar limites no uso de tecnologias — e reduzir a ansiedade —, usuários diferentes estratégias. Neste domingo (8), é realizado o Desafio Detox Digital Brasil, campanha do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para incentivar os brasileiros a passar 24 horas longe da internet.
No ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o vício em jogos online como distúrbio mental. Crianças e adolescentes são mais suscetíveis a desenvolver dependência tecnológica, porque o córtex pré-frontal, parte do cérebro ligada ao controle dos impulsos e concentração, ainda não está completamente formado, explica o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do grupo da Universidade de São Paulo (USP).
Ele conta que já houve casos de pacientes no Instituto de Psiquiatria que urinavam nas calças e não dormiam porque não conseguiam abandonar os jogos. Um deles ficou conectado por 55 horas.
— Não tem mais "game over". Se você sai do jogo, desassiste colegas e sofre represálias — diz psicólogo.
O jogo libera dopamina no cérebro, substância que dá sensação de prazer e bem-estar, explica a psicóloga Anna Lucia King, fundadora do Instituto Delete, núcleo especializado em "detox" digital da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O cérebro aprende de onde obteve as sensações e quer voltar a repetir o comportamento.
— O jogo foi feito para viciar. E as redes sociais são como um joguinho – ganhar uma curtida é como ganhar a etapa de um jogo. Dá muito prazer — explica a especialista.
Ansiedade, depressão e fobia social são algumas das consequências do uso excessivo de tecnologias, segundo os especialistas. Deixar de fazer atividades da rotina, usar o celular em todos os lugares, ficar irritado quando não há sinal, noites mal dormidas, distração e ansiedade ao não postar são alguns sinais indicativos de que há um exagero no uso.
Em alguns casos, é considerado vício. Mas, em outros, é apenas falta de educação e etiqueta digital, diz King, autora de um livro sobre o assunto. Neste ano, o Google apresentou iniciativa curiosa para promover o "detox" digital: o Paper Phone, espécie de agenda de papel com informações como contatos, jogos e previsão do tempo impressas.
— Detox não é se livrar da tecnologia, mas usá-la de forma sensata — diz Nabuco. —É preciso fazer com que ela me sirva, e não eu a ela.
Medidas contra o vício
A psicóloga Paula Penteado, 50 anos, mãe de três filhos de 20, 18 e 7 anos, estabeleceu regras para uso de tecnologias. Na hora das refeições, mexer em aparelhos eletrônicos nem pensar. E a filha caçula, Laura, só pode assistir a vídeos no tablet depois de jantar e do banho, por 45 minutos.
A psicóloga nem sempre foi rígida quanto ao uso das tecnologias. Quando os dois filhos mais velhos eram pequenos, colocar limites era mais difícil. Brigas eram constantes. A preocupação maior era o videogame.
— A gente não sabia lidar na época, não tinha tanta informação disponível. Hoje, sabemos o quanto o excesso faz mal — afirma.
Foi por causa do vício do filho em jogos online que Maria (nome fictício) procurou o Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da USP. O filho, no início da adolescência, costumava passar muitas horas na frente do computador e tinha ataques de fúria quando ela tentava restringir o uso. Nas férias, por exemplo, chegava a passar um dia inteiro imerso em jogos. Começou a apresentar mau rendimento na escola.
— (As pessoas não costumam perceber o vício) porque é muito cômodo o filho ficar quietinho lá no computador sem amolar ninguém, está seguro dentro de casa. A questão é: até que ponto vai ficar de frente para a tela sem curtir a vida, tomar sol, sair com amigos, jogar bola? — questiona a mãe.
Buscou uma psicóloga, mas não deu certo. Em meio a pesquisas sobre o assunto, um amigo indicou o grupo na USP. O lugar oferece atendimento e orientação a pacientes ou pais dos que desenvolveram dependência tecnológica.
A solução encontrada para conter o filho foi encher a rotina dele com atividades físicas e na escola. Hoje o rapaz tem 16 anos. Ainda joga, mas menos do que antes. Só não pode ir mal na escola.
— São os pais que devem colocar ordem. Quem paga a internet somos nós. Mas, quando você está dentro da situação, tem medo da reação do filho — diz ela.
A advogada Ana Luisa Guerra, 31, adotou uma tática diferente: apaga o Instagram de tempos em tempos no celular e faz promessa para não usar.
— Se baixar, terei que doar dinheiro para uma instituição de caridade — diz.