Quantas ligações telefônicas você já recebeu hoje? E quantas fez? A não ser que você trabalhe num call center, é provável que a resposta para essas perguntas possam ser dadas com os dedos de uma mão. A revolução tecnológica é, também, uma revolução comportamental. Este dinossauro analógico que vos digita já andava preocupado com o fechamento do chamado Parêntese de Gutenberg, que vem a ser o fim da era do impresso e a substituição de uma cultura secular baseada na escrita pelo acesso fácil ao Google. O criador da tese, o professor dinamarquês Thomas Pettit, sugere que a humanidade está retornando ao estágio pré-imprensa de transmissão "oral" de informação e conhecimento, uma vez que estamos falando pela ponta dos dedos. Estamos, realmente. Só que é uma fala cada vez mais silenciosa.
A tecnologia nos empurra para o silêncio.
A regra, agora, é evitar conversas. A cena emblemática desse novo momento é a do grupo de amigos sentados na mesma mesa, cada um com o seu celular, consultando e interagindo nas redes sociais. Há inúmeras outras imagens igualmente significativas: pais que não dão atenção aos filhos por estarem sempre conectados, filhos que preferem a telinha à companhia dos pais, namorados que passeiam juntos sem tirar os olhos dos celulares, motoristas que aproveitam o sinal vermelho para consultar mensagens e digitar, muitas vezes atrapalhando o trânsito. Tudo isso já é rotina nas nossas vidas. Estamos nos tornando seres solitários e silentes, ainda que cercados de amigos virtuais.
Telefones, computadores e tabletes cada vez mais substituem o contato pessoal. O telefone, paradoxalmente, ainda mantém a função sonora, que permite ao usuário ouvir a voz do interlocutor e responder também no formato original. Mas falantes e ouvintes talvez já sejam minoria no universo de usuários do aparelho. Os jovens, especialmente, preferem a comunicação digital. E muita gente já considera deselegância alguém ligar para o seu telefone sem mensagem prévia. Algumas pessoas sequer atendem ligações por voz. Nesse contexto, mesmo quem aprecia uma boa conversa já evita ligar, devido à sensação de que pode estar incomodando.
Pretextos não faltam para essa mudança comportamental. Tem o lado econômico: o zap é de graça. Tem também o aspecto psicológico: as pessoas se sentem mais seguras e menos expostas quando digitam do que quando falam, sem o risco de serem interrompidas pelo interlocutor. E há, inegavelmente, uma dependência crescente da telinha, pois os mais assíduos ficam com a sensação de estarem perdendo alguma coisa se estiverem desconectados.
Na verdade, estamos perdendo é a empatia – essa rara faculdade humana de nos colocarmos no lugar do outro, especialmente quando ouvimos sua voz e olhamos nos seus olhos.
Não sei se exagero, mas já começo a sentir saudades prévias do velho e sonoro alô – início de conversas prazerosas com amigos, sinal de prontidão para o diálogo transparente e senha inequívoca do desejo de ouvir a voz da pessoa amada.