Acompanhei com atenção o noticiário em torno da canonização da freira baiana Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes, agora Santa Dulce dos Pobres, a primeira mulher nascida no Brasil com tal reconhecimento depois que dois relatos de milagres a ela atribuídos passaram pelo rigoroso exame do Vaticano. São dois casos de cura de pacientes desenganados: o de uma mãe sergipana com forte hemorragia e o de um maestro baiano com glaucoma irreversível. Ambos estão vivos e recuperados para dar o seu testemunho de fé. Ainda assim, a Igreja submeteu os episódios a três etapas de avaliação: uma análise de peritos médicos, um parecer de teólogos e, finalmente, a aprovação final do colégio de cardeais.
Critérios são critérios. É compreensível que, diante da fragilidade física do ser humano, curas que desafiam a ciência sejam valorizadas como providência divina. Mas penso que a freirinha soteropolitana merecia a auréola muito mais por seu ativismo humanitário do que propriamente pela recuperação dos enfermos referidos. Foram milhares as pessoas atendidas por ela. Desde jovem, acolhia doentes pobres na casa de seus pais e empenhava-se para que tivessem tratamento adequado, para atenuar-lhes o sofrimento, mesmo que fosse apenas para assegurar-lhes uma morte digna. Fez isso a vida toda. Liderou causas filantrópicas, construiu hospitais, tornou-se uma referência de caridade e amor desinteressado ao próximo. Renunciou a tudo para se dedicar aos mais necessitados.
O milagre humano – considerando os seres instáveis que somos – me impressiona mais do que eventuais intervenções divinas.
E o termo eventual, no caso, não significa descrença. Significa, apenas, que não tenho certeza se ocorreram ou não. Já as ações virtuosas de irmã Dulce estão fartamente documentadas, sem necessidade de peritagem. Milagres, na maioria dos casos, resultam muito mais da nossa necessidade visceral de acreditar no que não entendemos do que propriamente da ação de uma força superior. O poeta Mario Quintana tratou do assunto com sua ironia contundente: “O milagre não é dar vida ao corpo extinto,/ ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo.../ nem mudar água pura em vinho tinto.../ milagre é acreditarem nisso tudo!”
O humor, a poesia e a tolerância também são milagres humanos.