Se a aceleração e a hiperconectividade do mundo contemporâneo são capazes de dispersar a atenção e fragmentar pensamentos, embaralhando o que seria linear ou previsível, cada vez mais a meditação tem sido evocada como antídoto para perturbações e doenças da mente. Basta ver a profusão de ofertas de aplicativos de meditação conduzida e do que vem sendo chamado de mindfulness, termo comumente traduzido como "atenção plena".
— Se você me perguntar o que é mindfulness, eu sinceramente não sei explicar, porque existem tantas versões, que eu não sei qual está valendo — brinca o monge budista Segyu Choepel Rinpoche, 69 anos.
Depois de se mudar para o Vale do Silício, na Califórnia, as práticas do ex-engenheiro brasileiro ganharam fama entre astros de Hollywood, como Kurt Russell, e pesos-pesados da indústria de tecnologia, como o próprio cofundador da Apple Steve Jobs (1955-2011).
Choepel Rinpoche está em São Paulo para participar do BrainSpace, evento sobre ciência e criatividade com foco no cérebro e curadoria do neurocientista Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Entre os 13 painéis que ocorreram na quarta (20) e na quinta-feira (21), no Unibes Cultural, Rinpoche debateu meditação e inspiração com a cientista Eliza H. Kozasa, do hospital Israelita Albert Einstein.
O que é meditação e como ela se relaciona ao cérebro?
Meditar é o ato de usar a mente. Posso meditar sobre o tipo de hambúrguer que eu quero comer hoje. Mas o sentido da meditação idealizada por iogues do passado foi entender a natureza da mente. Neste sentido, meditar é o ato de se concentrar e empoderar a mente. Mas este empoderamento não é trazer uma mente vazia, como se pensa muitas vezes, mas uma mente livre de conceitos errôneos em relação à natureza da realidade. Daí sai o ato de iluminar-se: você se torna uma pessoa que enxerga a própria mente.
Ao popularizar-se, a meditação foi distorcida?
Fala-se muito em mindfulness. Se você me perguntar o que é, eu sinceramente não sei explicar. Ninguém trata de mindfulness em escolas tradicionais tibetanas. A escola Gelupga não fala disso, porque é uma técnica que tem sido vista como apropriada para este mundo contemporâneo, mas não para um caminho profundo de concentração que desenvolve a compreensão de padrões internos e, portanto, clareza da versão pessoal de realidade que se vive.
Por que as pessoas têm perseguido tanto o tal mindfulness?
Se tem uma meditação que empodera a sua mente, despertando um sentido de paz, de compaixão, de harmonia e de tranquilidade, por que não existe um grande interesse e atração por ela? Porque, no mundo caótico em que vivemos, que é instantâneo e no qual as pessoas estão sempre sob o estímulo do "eu quero, eu quero, eu quero", vivemos uma onda de superficialidade. Construir a mudança desses padrões toma tempo. E vejo esse processo não como religião, mas como ciência de uma evolução mental, para que as pessoas possam ter uma qualidade de mente mais aberta, compassiva, alegre, harmoniosa, amorosa.
Parecemos estar distantes desta mente.
Estamos e não estamos. A meditação é muito simples, mas qual é o nosso próprio inimigo? Nós mesmos, o aplicativo, o relógio, o celular por onde chegam mensagens a todo o tempo e que queremos atender. As pessoas não param, não conseguem se concentrar, e se sentem ansiosas. Muita gente me julga porque abandonei uma carreira promissora para me tornar um contemplativo. E não há preço que pague, a não ser o meu esforço de estar no caminho.
O senhor tem seguidores no Vale do Silício, polo produtor de tecnologias, muitas consideradas dispersivas. A meditação é antídoto ao apelo frenético da comunicação em tempo real?
Não é a tecnologia que nos aprisiona. Somos nós e a maneira como nós usamos a tecnologia. Eu sempre fui ligado à tecnologia e, no Vale do Silício, eu consigo desafiar esses desenvolvedores brilhantes no pensar correto. Essas inteligências formadoras de pensamentos são capazes de mudar o mundo. Mas elas ainda estão muito incipientes nesse processo. Precisam repensar a forma de competir e liderar o mundo, usando a tecnologia para o bem da humanidade, e não do mundo corporativo.
Qual o benefício da meditação para a saúde?
Quantas causas de enfermidades são produzidas pelo estresse? Quando a patologia está formada, é porque existia um desequilíbrio há muito tempo. Antigamente, não se falava em doença psicossomática, da mente para o corpo, como se fala hoje. Portanto, se você tem mais harmonia, você tem mais saúde. Hoje a meditação está sendo usada para diminuir o colesterol, melhorar a pressão alta ou o sistema imunológico. Nós não somos um corpo. O corpo é o veículo da mente. Melhore a qualidade da sua mente e você terá mente e corpo plenos.