Débora Laks, psicóloga
Dia desses deparei com a expressão bebê arco-íris e fiquei curiosa. É a designação das crianças que nascem após a mãe ter uma perda gestacional.
Logo imaginei o arco-íris, o colorido e, por outro lado, o preto, do luto. Quem chega ao arco-íris conseguiu vencer todo um período difícil, não é mesmo? Volta e meia me engano e, ao invés de chamar o bebê de bebê arco-íris, chamo a mãe de mãe arco-íris. Acho, inclusive, que faria mais sentido denominar a mãe, já que não temos no dicionário um termo que designe a mãe que perdeu um filho. A esposa, por exemplo, é viúva. Mas e a mãe? Talvez nem tenhamos uma palavra, pois a dor deve ser inominável.
Estamos no período de Finados, e, com a data, relembramos nossos entes queridos que já se foram. As mães enlutadas por bebês que não seguiram se desenvolvendo no ventre nem sempre são compreendidas. Muitos desconsideram a dor da perda por um bebê que ainda não existiu fora do útero.
Quando alguém engravida, desenvolve um mundo na sua cabeça, abrindo espaço no corpo para o bebê ir se desenvolvendo. E, quando o bebê nasce, esse universo íntimo psíquico da mãe é o que subsidia o desenvolvimento emocional do bebê. Logo, quando uma mãe perde um bebê, perde muito.
Além da perda objetiva do bebê imaginado, há o encontro com o fracasso. Será que sou capaz de gerar um bebê saudável? Pode-se criar fantasias angustiantes em relação à infertilidade.
Há também a diferença do casal no enfrentamento da morte do bebê. Se por um lado as mães já vão lidando com a maternidade desde a gestação, os pais costumam só encarar a paternidade quando o bebê nasce. Sendo assim, nem sempre é fácil para os homens entenderem o sofrimento das mulheres nesse processo de pesar. Ou ainda, alguns pais se sentem na obrigação de respaldar a esposa e suprimem o abalo, não se permitindo chorar. A tristeza pode assustar aos que convivem com a enlutada. Quando esse estado irá passar? Ouço bastante essa dúvida no consultório.
Freud escreveu sobre o luto em 1917, descreveu que o indivíduo que está de luto encontra-se em um estado de espírito penoso, manifestando perda de interesse pelo mundo externo, na medida que este não evoca a pessoa amada perdida. O pai da psicanálise foi enfático ao não caracterizar o luto como um estado patológico.
“A gente só morre quando é esquecido”
No caso das mães enlutadas, a situação é um pouco diferente, já que justamente o pesar não se dá em relação a situações perdidas, mas sim pela falta da oportunidade de vivenciar experiências com aquele bebê. Algumas maternidades têm tomado providências de criar registros do bebê para que os pais tenham alguma memória do pequeno que se foi. Por exemplo, fazem um cartão com o carimbo do pezinho, nome e mecha de cabelo. Esse cuidado pode auxiliar a família a sentir-se acolhida e compreendida pela equipe que está atendendo o caso.
É importante ressaltar o caráter singular do enfrentamento da perda, já que cada pessoa pode apresentar diferentes comportamentos. Ainda assim, as manifestações de tristeza, em geral, tendem a se tornar menos intensas com o passar do tempo. Surge o pensamento em novos planos para a família, seja com uma nova gravidez ou através da retomada de uma maior animação nas atividades cotidianas.
Em conferência no Fronteiras do Pensamento deste ano, o psicanalista e escritor Contardo Calligaris explanou sobre os desafios contemporâneos. Foi enfático ao dizer: "É preciso sentir as dores: das perdas, do luto, do fracasso. Eu acho um tremendo desastre esse ideal de felicidade que tenta nos poupar de tudo o que é ruim". Provavelmente, as mães enlutadas se sentem ainda mais pressionadas se houver tanto repúdio à dor.
Ainda bem que seguimos com o Dia de Finados e a possibilidade de mantermos um espaço para dar vazão à aflição, tentando elaborá-la através dos rituais de passagem (missas, rezas, visitas ao cemitério etc). Filhos que se foram nunca serão esquecidos. Como ressaltado no filme Viva – A Vida É uma Festa, animação da Pixar que retrata a morte: “A gente só morre quando é esquecido”.