Digamos que você esteja perdido. Dois homens oferecem ajuda, mostrando o caminho em direções opostas. Um é simpático, bem vestido e bonito. O outro, rude, maltrapilho e feio. Você aceita a ajuda de algum? Qual deles?
Segundo o pesquisador argentino Tomas Chamorro-Premuzic, autor de Confianza: La Sorprendente Verdad Sobre Cuánto la Necesitas y Cómo Lograrla (Confiança: a surpreendente verdade sobre o quanto se necessita dela e como consegui-la), a maioria de nós vai confiar no primeiro sujeito. Se ele pertencer a nossa cultura ou “tribo”, as chances são ainda maiores.
— É por isso que cometemos erros: desconfiando de pessoas honestas que não se encaixam nesses critérios e confiando em algumas que se enquadram, mas que não são confiáveis — explica Chamorro-Premuzic, que leciona psicologia de negócios na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos (leia uma entrevista com ele neste link).
Essencial para manter boas relações e para o funcionamento da sociedade em geral, a confiança traz benefícios quando é bem alocada, mas pode atrair verdadeiros desastres pessoais, caso contrário. Mesmo assim, na hora de decidir em quem confiar, frequentemente nos deixamos levar pelas aparências. Um estudo publicado no jornal The Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) no ano passado mostrou que, diante de estranhos, nosso cérebro julga com base no que nos é familiar. Estamos pré-dispostos a confiar mais em alguém que tenha semelhança física com pessoas que já conhecemos e confiamos.
O oposto também vale: desconfiamos de quem se parece com conhecidos desonestos. Portanto, se aquele sujeito boa pinta mencionado no início deste texto for, além de tudo, parecido com o seu melhor amigo… Cuidado.
O estudo, intitulado Stimulus Generalization as a Mechanism for Learning to Trust, é baseado em jogos aplicados a voluntários que deveriam decidir se compartilhariam dinheiro com outros jogadores com rostos fictícios. Depois de aprender quais jogadores da primeira rodada eram desonestos, passavam a desconfiar dos próximos – mas só daqueles que eram parecidos com os primeiros.
Tendência de seguir os estereótipos
Coordenador da graduação em Filosofia da Unisinos, Clóvis Vitor Gedrat pesquisa o conceito de verdade. Segundo o professor, as verdades eternas da Idade Média, quando a palavra de Deus era tomada como a verdade absoluta, deram lugar à racionalidade da Era Moderna (marcada pelo surgimento do Iluminismo) e hoje vivemos numa pós-modernidade em que a verdade se torna líquida:
— Agora a ideia de verdade desaparece porque tu entras numa verdade subjetiva, ou seja, “eu tenho uma verdade e quero que ela seja verdade para todos”. Daí vamos ter fake news a partir de verdades particulares que não são verdades para todos.
Nesse contexto, torna-se especialmente complexo saber em quem confiar e temos a tendência de seguir certos estereótipos:
— Dentro de cada cultura existem tipos que simbolizam verdades para nós. Temos a tendência de olhar para isso e ter confiança no que está de acordo com o que a gente acredita. Aí começamos a confundir um modelo estético, como uma boa roupa, com a verdade.
Fundamental para a vida em sociedade
Para funcionar, a vida em sociedade requer um mínimo de confiança. Sem ela, seria impossível comer em restaurantes, pegar um táxi ou simplesmente cruzar uma rua, já que estaríamos em constante pânico com a possibilidade de sermos enganados.
Nos últimos anos, o brasileiro tem confiado cada vez menos nas instituições e também nas outras pessoas, como vizinhos, amigos e familiares. É isso que indica o Índice de Confiança Social, um estudo realizado pelo Ibope desde 2009, que mostrou que a confiança das pessoas em seus familiares oscilou de 85 pontos em 2017 para 82 em 2018. Em relação a amigos, vizinhos e brasileiros, o índice caiu de 66 para 65. Segundo o Instituto Latinobarômetro, apenas 7% dos brasileiros acreditam nos outros. Somos o povo mais desconfiado em toda a América Latina.
Para a sociedade em geral, a baixa confiança nas instituições e nas pessoas pode ter consequências sérias. É usada, por exemplo, para medir a solidez de um regime democrático. Lugares onde a confiança interpessoal é alta, como os países nórdicos, ocupam as primeiras colocações no Índice de Democracia, elaborado pela revista Economist.
— Confiança é segurança. Se eu estou num país que cuida do cidadão, vou ter confiança nos políticos e nas instituições. Mas num país em que as pessoas estão sofrendo, em que existe muita exclusão social, a população é carente de confiança. Aí o povo agarra qualquer coisa porque está numa situação de penúria, agarra o que parece que é verdade – comenta Gedrat.
Na sociedade atual, nossas relações são destruídas, por causa do excesso de trabalho, da falta de tempo para refletir sobre nós mesmos. Não é por menos que nos últimos 50 anos vimos um crescimento na busca por psicólogos, gurus, igrejas, filosofias orientais que trazem essa questão da busca do ‘eu’, do encontro consigo mesmo.
CLÓVIS VITOR GEDRAT
Coordenador da graduação em Filosofia da Unisinos
Um cenário assim, segundo o filósofo, é terreno fértil para o crescimento da religiosidade, da espiritualidade e de outras buscas.
— Na sociedade contemporânea, nossas relações são destruídas, por causa do excesso de trabalho, da falta de tempo para refletir sobre nós mesmos. Não é por menos que nos últimos 50 anos vimos um crescimento na busca por psicólogos, gurus, igrejas, filosofias orientais que trazem essa questão da busca do “eu”, do encontro consigo mesmo – afirma Gedrat.
Na vida pessoal, alguém sem uma rede de apoio é alguém tremendamente vulnerável. Para esclarecer isso, Gedrat recupera a origem da palavra confiança:
— A palavra confiança vem de confiar, ou seja, fiar junto, estar ao lado, fazer um pacto com alguém. Em inglês, a palavra para noivo e noiva é fianceé, você faz um pacto que a outra pessoa vai te defender, te ajudar. No campo das finanças, pagar a fiança de alguém é amparar, ajudar numa situação desesperadora. O ser humano que não confia em ninguém nem nada é alguém totalmente inseguro.
Os danos da falta de confiança
A psiquiatra Vivian Day atuou por 25 anos no Instituto Psiquiátrico Forense, onde era responsável por avaliar a periculosidade de suspeitos de crimes e também atender vítimas de crimes e familiares. Ela explica que estabelecer relações de confiança na infância é fundamental para a formação de uma mente saudável no futuro:
— O desamparo humano exige uma relação de total confiança desde o início. Aos poucos, o bebê vai aprendendo a se frustrar e a se separar, a ficar só e a confiar em si mesmo. Mas durante toda a vida precisaremos dos outros para continuarmos vivos e felizes.
Como psiquiatra forense, Vivian testemunhou os danos que a ausência de relações de confiança podem causar, exacerbando a falta de empatia, por exemplo:
— Muitos indivíduos não terão uma base saudável e crescerão incapazes de estabelecer relações saudáveis e de amor, colocando-se no lugar do outro e confiando. Passarão a vida usando os outros como seres inanimados. Serão especialistas em se mostrar capazes de atender às necessidades dos outros, sedutores, frios, para poder aproveitar o outro.
Por outro lado, indivíduos criados sem relações de confiança também poderão ser os primeiros a acreditar em falsas promessas.
— As fragilidades humanas são muitas. Buscamos segurança e algumas pessoas são hábeis em se mostrar confiáveis, íntimas. Relações normais exigem tempo, conhecer o outro e tolerar as frustrações — completa Vivian.