Doutor em Psicologia e professor da Universidade do País Basco em San Sebastián, na Espanha, Iñigo Ochoa de Alda é especialista em temas como conflitos familiares, problemas de conduta na adolescência e distúrbios alimentares. O espanhol foi um dos convidados do 2º Congresso Internacional do Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (Cefi) – Integrando Diferentes Abordagens, realizado em Porto Alegre, em setembro.
Nesta entrevista, Alda fala sobre os danos que a insistência na manutenção de casamentos infelizes podem provocar no desenvolvimento dos filhos e os riscos da superproteção que os pais oferecem a crianças e adolescentes.
O impacto dos conflitos familiares
“Quando um adolescente tem problemas, vai mal na escola, é porque, como mostra nossa experiência, ele está com problemas em casa. Sem que se dê conta, o sintoma é uma forma de mandar uma mensagem para a família, uma forma de pedir ajuda sem saber muito bem como. Encontramos muitos pais com conflitos conjugais, ou um pai ou uma mãe deprimidos, ou pais com problemas de família ou no trabalho. Partimos da ideia de que o adolescente atrai toda a atenção para o seu problema, como um ímã, para que a família se desligue de todos os outros problemas que enfrenta. Todas as crianças fazem isso.
Para a criança, é mais preocupante não saber o que está acontecendo. Quando ela intui que seus pais estão mal e que algo está acontecendo, sua fantasia é muito pior do que a realidade. Os pais então se unem para ajudar o filho – portanto, para a criança, estar mal é ‘bom’. Quanto menos grave o sintoma, melhor o prognóstico para tratamento. É comum os pequenos fazerem xixi na cama, terem problemas de relacionamento no colégio ou pesadelos. Algumas crianças somatizam, sentindo febre ou tossindo. Os adolescentes tendem a ter mais condutas autoagressivas, como se cortar, ou distúrbios alimentares. Nosso trabalho é fazer com que os pais não se sintam culpados, mas sejam parte da solução. Que escutem seus filhos. E isso é difícil. Como terapeutas, temos que ouvir toda a família. Todos estão envolvidos, todos sofrem.”
Infância versus adolescência
“Para o filho, é mais difícil ter um problema na adolescência, porque as crianças têm muita capacidade de reconstrução. A fantasia joga a favor delas. Brincando com bonecos, as crianças nos contam o que se passa em suas famílias, e então podemos conversar com os pais. Mas o adolescente padece de sintomas mais fortes, o que se soma à impulsividade. Estudos demonstram como o adolescente têm a amígdala cerebral superativada, onde se concentram as emoções e a impulsividade. E o lobo pré-frontal, que ajuda a pensar e a refletir, é a última parte que amadurece. O adolescente é impulsivo e intenso e reflete pouco.”
Consequências da superproteção
“Na Espanha – não sei se no Brasil também é assim –, temos observado a superproteção. É uma falsa proteção. Um indicador: pais que dormem com os filhos na mesma cama. Mas não falo de bebês, e sim de crianças de sete, oito, nove anos. Os motivos alegados são que as crianças não dormem bem ou têm pesadelos, mas é preciso se dar conta de que essa prática, muitas vezes, é uma necessidade dos pais. A superproteção faz com que o filho fique muito apegado. Quando chega a adolescência, ele não tem capacidade e maturidade para se separar dos pais. Vejo homens e mulheres muito bem formados e informados, mas muito imaturos emocionalmente, que tentam evitar todo o sofrimento dos filhos. Na verdade, eles estão tapando o seu sofrimento como pais.
As crianças se julgam mais competentes do que são e, quando saem à rua, veem que não são. Isso já percebe bem nos adolescentes de hoje. Tem aumentado o índice de violência dos filhos contra os pais – agressões físicas e psicológicas –, o fracasso escolar, o consumo de maconha e álcool, a sexualização precoce e os maus-tratos entre casais de adolescentes. As meninas estão adquirindo um comportamento mais controlador, monitorando as redes sociais dos namorados, e os meninos estão ficando mais machistas, interferindo na escolha das roupas que elas vestem, por exemplo. A noção de vida privada é diferente atualmente, e isso é um problema. Na Espanha, há pais que já compram telefones celulares para as crianças na primeira comunhão, aos oito anos, e elas não estão preparadas para isso. Há meninas de 11 e 12 anos com Instagram, postando fotos cada vez mais sexualizadas.”
Casamentos infelizes
“‘Não nos separamos por causa de nossos filhos.’ É uma frase perigosa, e seguimos escutando-a. É horrível. Muitas pessoas dizem que a relação de seus pais não era boa. Pergunto: e você foi feliz com essa relação dos seus pais? Não. Os pais continuam casados para não assumir uma decisão muito difícil. Os filhos se tornam responsáveis, sem querer ser, pela continuidade do casamento dos pais. Se o filho vê que os pais não se amam, como vai saber amar quando se tornar adolescente? É errado pensar que as crianças não percebem. Elas têm uma habilidade que vamos perdendo conforme crescemos: a intuição. A criança sente, percebe o conflito, a tristeza. O pai diz que está bem, mas o filho sente que o pai não está. Não é por maldade, é por conveniência. Persiste também a ideia de que um filho pode melhorar um casamento que não vai bem. É como tentar resolver a fome com bebida.”
Amizade entre pais e filhos
“Muitos pais buscam a amizade dos filhos. É contraditório. Em um primeiro momento, há um lado positivo, porque pais e filhos podem estabelecer uma boa comunicação, mas se confundem os papéis. Escolhemos os amigos, enquanto a família é atribuída. ‘Sou amiga da minha mãe, conto-lhe as coisas’, que bom, você tem uma boa comunicação com sua mãe. Mas se a mãe diz ‘minha filha é minha amiga’ é um erro porque não há identidade de diferenciação da filha, é como se a menina fosse uma extensão da mãe. Os pais precisam se distanciar dos filhos, sobretudo na adolescência, para permitir que busquem coisas fora, para que construam seus projetos.”
O formato “fast-family”
“Estamos todos com muita pressa, e os pais também. Vivemos em uma dinâmica de rapidez e eficácia que criou o fast-food e a fast-family. Sou de uma região da Espanha que tem uma cultura um pouco parecida com a cultura gaúcha. Devemos fazer como nossas avós faziam. Temos de ter tempo para preparar a comida, temos que dedicar tempo à família, e alguém tem que se responsabilizar pelas regras. Precisamos conversar: o que de melhor aconteceu hoje? O que de ruim aconteceu hoje? Devemos compartilhar espaços de comunicação.”