O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han (1959), que ensina na Universidade de Berlim, é autor de um ensaio intitulado Sociedade do Cansaço (editora Vozes) em que configura a sociedade do século 21 como a do desempenho, na qual os indivíduos têm como desígnio a execução, a produção, a fazedura, o processo. É uma injunção que permeia o inconsciente social de tal maneira, que a ideia de dever é trocada pela de poder, embora este não proscreva aquele. O indivíduo do desempenho tem de ser ligeiro e produtivo, como já disse alguém, tem de "produzir a produtividade". Radica aí o cansaço do fazer e do poder, numa sociedade em que se acredita que nada é impossível, segundo Han.
Demanda, termo derivado regressivamente do verbo demandar, tanto pode significar pedido, solicitação, exigência, necessidade, como pode designar o atendimento ao pedido, à solicitação, à exigência, à necessidade. Ter uma demanda significa ter um problema para outrem resolver; ou ter que resolver um problema. Expressão, portanto, de duas vias.
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Demanda é expressão usada na modernidade sem parcimônia ou recato, mas, sim, incontida e impensadamente – assim como o são as divertidas sustentabilidade, transparência, inovação. No passado, demanda era vocábulo reservado a raras elocuções. Hoje, não; hoje, você pode lascar "Minha fome demanda um pratarraz de comida" ou "Estarei encaminhando essa demanda" (sic) que pegará bem entre os circunstantes. Num registro mais inusitado, poder-se-ia considerar a afirmativa "Pelo que indica o marcador, o tanque está demandando por gasolina". De qualquer modo, demandas traspassam todo o ambiente da sociedade do desempenho.
O que seria precisamente o cansaço das demandas? Tratar-se-ia dum cansaço gerado pela profusão de demandas individuais dos dias de hoje, entretanto, não obrigatória ou propriamente um cansaço físico; sua característica essencial é a de enfartação psíquica em que o enfartado, por se sentir continuamente sobrecarregado de incontáveis requerimentos de alto desempenho que se lhe dirigem, constata-se exaurido, derreado, ansioso, psicologicamente estilhaçado: o cansaço das demandas tem a feição de um agravo intrapsíquico.
Na acepção pragmática dos fazeres, os demandantes, ou seja, os exatos indutores desse enfarte, também eles enfartados, sequer suspeitam de que causam aqueles cansaços, pois enxergam demandas como uma naturalidade da sociedade do desempenho, pertencente ao dia a dia daquele tipo de indivíduo que procura "desafios" a serem vencidos, segundo o argumento utilitarista que uma vida sem desafios está fadada à anemia existencial. Isso, no dizer de Ibsen, seria uma das "mentiras da vida".
Claro que demandantes ou demandados não pertencem às categorias socioeconômicas mais desvalidas, porque estas já são "desafiadas" pelo trabalho duro, de sentar tijolos ou limpar latrinas, que começa cedinho da manhã e vai até a noite, para depois pôr as crianças para dormir. Quer dizer, o cansaço da demanda não se instala no padeiro, na balconista, no gari, na faxineira – que, sim, sofrem do cansaço físico –, mas em criaturas que executam tarefas imaginavelmente mais elevadas, sob ar-refrigerado, entre computadores, escâneres, telefones, redes sociais, aplicativos, viagens, odiosas reuniões. Isso sem se falar dos afazeres inerentes à vida familiar e social, estes na verdade microdemandas, quiçá mais aporrinhantes, maiormente porque não remunerados.
Componentes dessa sociedade do desempenho sequer gozam momentos de contemplação indispensáveis ao sossego espiritual e à elaboração: o desassossego impede que o indivíduo produza algo original, limitando-o apenas a perfazer sempre o mesmo, e assim, ao contrário do que é propalado, não há inovação. Então, a sociedade do desempenho, de que nos fala Han, é produtora dessas criaturas repetitivas, aplastadas pelas demandas, acometidas por zumbidos nos ouvidos, obesidades, tempestades de angústia, opressões no peito, vertigens, inchaço nos tornozelos, enfim, pacientes das psicossomatizações demandadas pelo cansaço das demandas.