São 2h30min de uma madrugada estrelada em Torres, no Litoral Norte. Depois de um café preto para espantar o sono, Gabriel dos Santos Zaparolli, 18 anos, reúne numa mochila o necessário: uma câmera fotográfica, duas lentes, um timer, mais de 10 baterias e cartões de memória, um disparador remoto e um tripé. Cena comum na vida do adolescente nos últimos cinco anos. Sem temer a solidão da noite, ele parte rumo aos pontos mais altos da cidade. Desses lugares, Zaparolli registra as imagens que o tornaram conhecido na região como o caçador de estrelas e tempestades.
A paixão começou ao acaso, depois de assistir na televisão a um programa sobre pesquisadores de fenômenos naturais. Aos 13 anos, buscou na internet as informações necessárias para começar a fotografar. Definido pela mãe, a comerciária Maria Rosane dos Santos, 56 anos, como guri inquieto e persistente, ele usou para os testes uma câmera da família. Autodidata, mexeu, desconfigurou o equipamento e borrou muitas imagens até fazer o primeiro registro que o emocionou. Depois de colocar a câmera semiprofissional num tripé, programá-la para cliques a cada 30 segundos e instalar os equipamentos no quintal de casa, Zaparolli conseguiu fotografar a Via Láctea.
– Fiquei maravilhado com aquela coisa! – resume, ao recordar da noite em que teve certeza de que continuaria fotografando.
Ele seguiu na função, mesmo com os pais apostando que se tratava de paixão passageira. Preocupado com a segurança do filho, o motorista Claudecir Zaparolli, 51 anos, começou a acompanhá-lo nas investidas noturnas por morros de Torres. O ritmo do pai, que trabalhava durante o dia, era muito distante da energia do adolescente, estudante no período da tarde. A tranquilidade só veio após o jovem fazer amizades com outros simpatizantes da fotografia na região – alguns o acompanham até hoje na caçada às estrelas. Mas a paixão por tempestades não foi abandonada. Pelo contrário, cada vez mais absorvido pelo trabalho, Zaparolli descobriu suas movimentações por meio de radares meteorológicos, detectores de raios e aplicativos. E foram as redes sociais que abriram as portas para ele. Hoje, graças à divulgação do trabalho, tem autorização para fotografar do alto dos maiores prédios da cidade.
– Se a tempestade está muito perto, fico em casa, no telhado ou na árvore do pátio. Mas, se ela estiver distante, vou para um prédio ou para um morro, para compor a imagem. Não costumo ficar totalmente exposto, só tenho medo se um raio cai muito próximo – diz.
Seja à noite ou durante um temporal, a mãe de Zaparolli confessa não sossegar até ver o filho retornar para casa.
– Fico com o coração na mão. Não é fácil. Rezo e peço a Deus que cuide dele. Nós trabalhamos e ajudamos no que podemos porque ele sempre chega eufórico, muito feliz com o trabalho. Nos conta tudo – diz a mãe.
Com a ajuda dos pais e do único irmão, o vendedor Rafael, 36 anos, Zaparolli trocou de câmera depois de dois anos de atividades e adquiriu novos equipamentos. Mais experiente, vendeu as primeiras fotografias, incluindo imagens de surfe – a praia é a outra paixão.
A venda de fotografias tornou-se profissão. Nas ruas, é reconhecido. Basta uma volta para ser parado e receber apertos de mão de quem o acompanha pelas redes sociais.
Ao contrário da maioria dos garotos de mesma idade e dos amigos da escola, o jovem fotógrafo já lamentou estar numa balada e perder a chegada de um novo temporal. Se estiver namorando, deixa claro que a próxima tempestade ou chuva de meteoros terá prioridade. Diversão mesmo, confessa, é conseguir captar a grande e a pequena nuvem de Magalhães, os satélites cruzando o céu estrelado e os raios caindo sobre as praias de Torres.
Sonho de desenvolver sistemas de alerta para ajudar a população
De tanto dedicar-se ao aprendizado sobre meteorologia e fotografia, Zaparolli deu o primeiro escorregão na vida pessoal: repetiu o segundo ano do Ensino Médio, em 2018. A situação acendeu a luz vermelha entre os pais. Tudo foi contornado depois da promessa de dedicar-se à conclusão dos estudos e seguir à universidade. Ele deseja cursar astronomia ou meteorologia, para desenvolver sistemas de alertas que possam ajudar a população. E tem dois sonhos, ainda difíceis de serem realizados por questões financeiras: ir aos Estados Unidos, para caçar tempestades, e ao Chile, para fotografar a noite no Deserto do Atacama.
Acostumado a dormir em horários incomuns, como depois das aulas da tarde, Gabriel tem um ritmo diferenciado. Aos conhecidos, não se importa de enviar mensagens durante a madrugada. Foi assim ao longo do tempo entre o primeiro contato da equipe de reportagem e a publicação. Numa das conversas iniciadas com a repórter, por volta das 6h30min, via Whatsapp, ele confirma a animação pela noite de trabalho: “Se eu parar de responder, meu corpo misteriosamente parou na cama. Mas ainda estou na adrenalina da imagem! Foi meteoro para todos os lados!”.
Em outra data, avisou a equipe sobre a formação de um novo temporal no local: “Aqui em Torres, tempestade de 360 graus. Tem atividade elétrica em direção à serra gaúcha e a Santa Catarina! Está uma loucura! Queria ter duas câmeras aqui!”. A mãe, inclusive, confessa informar-se por meio do filho se poderá lavar e estender a roupa no varal no dia seguinte.
Na data marcada com Zero Hora, Zaparolli estava entusiasmado para apresentar o céu de Torres à reportagem. O grupo seguiu até o parque da Guarita. Em meio à escuridão, os olhos atentos do fotógrafo definiam com exatidão cada estrela e satélite. Somente com a ajuda de uma lanterna, ele desbravou a trilha que passa ao lado do penhasco e posicionou a câmera na direção do horizonte. Garantia de que em meia hora os olhos da equipe já estariam treinados para perceberem a Via Láctea sobre as cabeças. Foi o que ocorreu. Sem as luzes da cidade, somente as das estrelas, foi possível ver o alinhamento dos planetas Vênus, Saturno e Júpiter. A Via Láctea surgiu entre 3h30min e 5h da manhã.
No meio da sessão de fotos, o grupo ouviu ao longe alguém chamando pelo sobrenome do jovem. Como era impossível ver quem o havia identificado, ele seguiu fotografando. Depois de quase duas horas, foi surpreendido pela presença do fotógrafo Egon Filter, referência em astrofotografia na América do Sul, professor de fotografia e autor do projeto “Caminho das Estrelas”, que tem o foco em paisagens únicas do Estado. Filter é um dos ídolos do adolescente e estava em Torres para registrar o alinhamento dos planetas.
– Que demais te encontrar aqui! Acompanho sempre as tuas postagens e admiro muito o teu trabalho, que é uma referência para mim – comentou o jovem fotógrafo, quase eufórico.
– Nos conhecemos nas redes sociais, e acompanho o seu trabalho. Você tem talento – respondeu Filter, que fotografa desde 1985.
Ele é um jovem com talento. Mas isso só não basta. O que o diferencia, realmente, é a energia ilimitada e a sede em sempre aprender mais, perseguindo raios, sprites e a Via Láctea! Se eu pudesse dar alguma dica para ele, seria para não desanimar jamais porque a persistência vai render belas imagens.
EGON FILTER
Fotógrafo que referência em astrofotografia na América do Sul
Os dois tiraram fotos juntos, combinaram um possível reencontro e seguiram fotografando o amanhecer. À reportagem, Filter revelou acompanhar a distância, desde 2016, a evolução da qualidade do trabalho de Zaparolli.
– Ele é um jovem com talento. Mas isso só não basta. O que o diferencia, realmente, é a energia ilimitada e a sede em sempre aprender mais, perseguindo raios, sprites e a Via Láctea! Se eu pudesse dar alguma dica para ele, seria para não desanimar jamais porque a persistência vai render belas imagens – garantiu o professor de fotografia.
Perto das 8h, Zaparolli desceu as escadarias do parque da Guarita. Mesmo cansado, visitou rapidamente a Praia da Cal e ainda fotografou os primeiros surfistas daquela manhã. Era hora de voltar para casa, editar as imagens e colocá-las nos arquivos com outras milhares, dormir algumas horas e voltar na noite seguinte. Afinal, seguia de férias da escola, e os radares meteorológicos apontavam mais uma noite estrelada, antes de recomeçarem os temporais.
Você sabia?
Atividade comum nos Estados Unidos, o caçador de tempestade é um especialista em registrar fenômenos naturais, como tornados e grandes tempestades, em fotos e vídeos. Com cerca de 1,2 mil tornados por ano, os Estados Unidos são o país que mais sofre com a quantidade destes fenômenos no mundo. Eles são frequentes nos Estados das grandes planícies, chamados de “Corredor de Tornados”, que se estendem da Dakota do Sul ao centro do Texas. Trata-se de um corredor no centro do país onde as massas de ar frio e quente se encontram.
Quer ser um caçador de estrelas?
— O fotógrafo Egon Filter, referência em astrofotografia, explica que quem deseja atuar nessa área precisa de disposição (para levantar da cama quente em noite fria), curiosidade (para buscar informações científicas), planejamento (quando fotografar o quê) e propósito (afinal, o que se pretende mostrar?).
— Entre os equipamentos necessários, estão câmera DSLR com lente grande-angular, tripé e lanterna de cabeça (além de boa capa de chuva). Além disso, um celular para acompanhar meteorologia online e computador para tratamento das imagens. O ideal é fazer um curso de princípios da fotografia do software Lightroom (tratamento de imagens) e de astrofotografia. Autodidatas como Gabriel, às vezes, pulam etapas.