Por Nilton Mullet Pereira
Historiador, doutor em Educação pela UFRGS
Nos últimos tempos, a aula de História tornou-se o foco de uma intensa vigilância. Sob a acusação volúvel e violenta de doutrinadores, professores veem seu espaço de trabalho e convivência cotidiana – acostumado à partilha de saberes, conceitos, experiências e vivências e baseado na criatividade, no pensamento e na solidariedade – ser invadido pela ameaça e pelo ódio.
Professores de História têm partido, têm nome, têm time de futebol, têm ideologia, têm religião e têm, junto a tudo isso, uma formação universitária, tal como médicos, engenheiros, jornalistas. É uma formação, portanto, dotada de conhecimento específico: como historiador que é, toma o passado e o presente como objetos do seu estudo e da sua análise crítica. Contudo, certamente, ele é muito mais do que isso, pois, como educador, é parte do processo público de socialização dos jovens. Em razão disso, apresenta a eles os conflitos, as contradições e a pluralidade das experiências de vida. Com o professor de História, os jovens aprendem a ter e a dar opinião, a pensar sobre o futuro, a dialogar com seus irmãos humanos, independentemente de gêneros, cores, etnias, classes e, inclusive, diferenças de oportunidades.
É o professor de História que mostra que o estudo do passado não é uma descrição ingênua, neutra e fria, mas um estudo crítico dos vestígios que as gerações anteriores deixaram. Estudo crítico só se faz em um ambiente aberto, às vezes contraditório, de profundo respeito pelo outro. Todavia, respeitar não significa ser um papel em branco, não ter opinião e não conversar ou escutar os estudantes. É, inclusive, contestar e ser contestado por eles.
Em uma aula de História, há uma professora, um professor, e eles têm partido. Esse partido é a criatividade e a abertura que possibilitam a existência de um mundo onde se pode ser diferente, onde se pode criticar, opor-se e, ainda assim, continuar a ser escutado.
NILTON MULLET PEREIRA
Professor e historiador
Em uma aula de História, os jovens têm um nome, um partido, uma família, mas são convidados a deslocarem-se para poder ter a experiência do espaço público, onde poderão aprender a difícil arte da convivência humana. É porque, em uma sala de aula de História, eles poderão contemplar o desfile da diversidade das experiências humanas, aprendem a aprender com os outros e passam a saber que viver é partilhar um acúmulo de novas experiências, o que lhes permite enriquecer a sua.
É por isso que, em uma sala de aula de História, um estudante que frequenta o Batuque torna-se capaz de aprender sobre a religiosidade do povo Tupinambá, dos católicos, dos evangélicos, do povo judeu, do povo muçulmano, e, sem deixar de acreditar nas divindades do Batuque, ele conhece a experiência religiosa dos outros, aprendendo o saber supremo do respeito e da convivência, no qual não têm lugar o ódio ou a desconfiança.
A aula de História compartilha o mistério da generosidade, porque ela inclui ao invés de excluir; ela acolhe todos os debates, todas as cosmologias, todas as formas de vida. É quando a generosidade torna-se uma ética. O que acontece em uma aula de História é a aprendizagem das relações humanas solidárias e respeitosas, da justiça, dos Direitos Humanos e do incrível direito de existir. Essa sala de aula é o reino sagrado da criação e do pensamento, e nela os estudantes serão contraditados, vão aprender a suportar o argumento do outro, vão aprender com a diferença e irão reafirmar suas ideias ou mesmo construir outras e ampliar os horizontes do seu pensamento e da sua vida.
Isso tudo é possível, porque, em uma aula de História, há uma professora, um professor, e eles têm partido. E o seu partido é o da liberdade do pensamento e o da responsabilidade pelo mundo, o que permite ensaiar alternativas para a vida, para a sociedade, para o presente. Esse partido é a criatividade e a abertura que possibilitam a existência de um mundo onde se pode ser diferente, onde se pode criticar, opor-se e, ainda assim, continuar a ser escutado.
Perseguir, vigiar, desconfiar de professores em função da sua aula é um ato de barbárie. Somente uma sociedade doente permite-se colocar barreiras para o pensamento e para a educação da juventude. Aprendemos com o estudo do passado. Aprendemos para que o medo não seja um mediador das nossas relações. Aprendemos com o que ocorreu na Europa, na época do nazismo, quando milhões de pessoas foram mortas em função de sua etnia, de suas escolhas, da cor da sua pele: judeus, ciganos, negros, gays, Testemunhas de Jeová e outros. Aprendemos com o que ocorreu no Brasil, na época da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), quando as pessoas foram perseguidas, os professores, vigiados, os opositores, torturados e mortos, sob o argumento de que a luta contra o comunismo iria depurar a sociedade brasileira. Aprendemos isso tudo em função da pesquisa e da ciência histórica, que, rigorosa e seriamente, se debruça sobre os documentos para criar narrativas sobre o passado. Professores de História têm a responsabilidade de ensinar esses e outros acontecimentos desde um compromisso com os Direitos Humanos. E os jovens têm o direito de aprender e de pensar sobre eles.