Por Luiz Gonzaga Silva Adolfo
Advogado, doutor em Direito, professor da Unisc e da Ulbra
A tecnologia, especialmente voltada à comunicação, nos últimos anos, mudou a realidade das relações sociais e econômicas em nível mundial e, certamente, continuará promovendo modificações nesse campo. Para muitos, esses fantásticos progressos tecnológicos hoje vislumbrados mostram-se definitivos. Mas surge uma indagação: qual seria o limite, se é que se pode falar em limites?
Ao mesmo tempo, a denominada Sociedade da Informação apresenta muitos riscos, típicos da sociedade de risco (Ulrich Beck), ou da modernidade líquida (Zygmunt Bauman). Um deles tem a ver com a proteção de dados pessoais, que estão armazenados em "todo lugar" neste mundo virtual. Instituições públicas e privadas de toda ordem mantêm nossos dados em seus arquivos – e justamente aí está o risco mais visível.
Recentemente, o próprio criador do Facebook, Mark Zuckerberg, confirmou que as empresas do grupo econômico que lidera não foram cuidadosas como deveriam na lida com os dados pessoais de milhões de pessoas. Em 18 de julho de 2018, o Google foi multado na União Europeia com o equivalente a mais de R$ 19 bilhões por violações a regramento Antitruste.
Enquanto isso acontecia, o Brasil era um dos países que não tinham uma legislação especial protetora dos dados pessoais. Aqui na nossa circunvizinhança mesmo, Argentina, Uruguai e Chile já haviam regulado a matéria. Na União Europeia, após dois anos de vacatio legis, entrou em vigor a Regulação Geral de Proteção de Dados, conhecida pela sigla GDPR, em língua inglesa.
Michel Temer sancionou, em 14 de agosto, a Lei 13.709, que institui o diploma brasileiro de proteção de dados pessoais. A nossa lei traz um prazo de adaptação de um ano e meio e entrará em vigor em 14 de fevereiro de 2020. Até lá, todas as organizações que trabalham, de qualquer modo, com dados pessoais terão que se adaptar, estudando minuciosamente todos os aspectos envolvidos e criando políticas próprias muito detalhadas de cuidados com esses dados.
A regulamentação brasileira tem 65 artigos em 10 capítulos e, certamente, vai mudar, e muito, a atuação no mundo de fornecimento de produtos e serviços. E, ainda, na atuação estatal, em suas várias esferas.
A área médica, por exemplo, é uma nas quais o cuidado com dados pessoais mostra-se, necessariamente, mais cauteloso. Nela, está regulado o modo como as informações são coletadas e tratadas, muito particularmente, no ambiente digital. Dados pessoais em cadastros – como filiação, profissão, renda, números de documentos, telefone, endereço, estado civil e informações de cunho patrimoniais – são elementos sensíveis que necessitam de tutela. O mesmo se dá com fotografias publicadas em redes sociais.
As crianças e os adolescentes mereceram uma seção na Lei de Proteção de Dados Pessoais, e o tratamento de suas informações deverá ocorrer no melhor modo de seu interesse, na forma preconizada no Estatuto da Criança e do Adolescente e mediante autorização prévia dos seus responsáveis. As instituições de ensino, então, pelo visto, terão um enorme trabalho pela frente, nos próximos meses, para enfrentar e regular institucionalmente a matéria.
O tratamento de dados pelo poder público merece um capítulo específico, o quarto. No Projeto de Lei aprovado no Congresso Nacional, foi criada a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que faz parte da administração pública federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério da Justiça. No entanto, o chefe do Executivo vetou os dispositivos a ela atinentes, por "vício de origem".
As penalidades aos agentes de tratamento de dados começam no campo administrativo, podendo chegar a até 2% do faturamento da pessoa jurídica de Direito Privado, grupo ou conglomerado no Brasil, no seu último exercício, excluídos os tributos, limitada cada infração, em seu total, a R$ 50 milhões.
O Brasil, que já teve no Marco Civil da Internet uma legislação de vanguarda, desse modo, ingressa nessa seara, em um patamar civilizatório mais condizente com os mandamentos constitucionais, especialmente, na adequada observância da dignidade da pessoa humana e, particularmente, dos direitos de personalidade relacionados aos dados pessoais. Preparemo-nos, pois, nos próximos meses...