Conteúdo produzido pelas vencedoras de 2018 do Primeira Pauta, programa que seleciona alunos de Jornalismo para imersão e treinamento em práticas jornalísticas na Redação de ZH. São elas (da esquerda para a direita): Vanessa Pedroso (Centro Universitário da Serra Gaúcha), Bianca Obregon (Unipampa), Bibiana Davila (UFRGS), Mariana Hallal (UFPel) e Andressa Canova Motter (UFSM).
Cuidar de quem está por perto é algo natural para Georgina Conceição Alves, 71 anos. Ainda na adolescência, era a responsável por criar os irmãos e levar o sustento para casa. A dedicação aos filhos dos outros surgiu por acaso e se tornou a principal atividade dela e de sua família. Hoje, eles mantêm o Cantinho da Vó Georgina. Diariamente, a associação recebe de forma gratuita cerca de 150 crianças de vários bairros da Capital.
– Quando aparece alguém pedindo, a gente nunca nega ajuda. Sabe aquela palavrinha mágica, o não? Para mim, mágico é o sim – comenta Georgina.
O terreno fica em uma rua sem nome na Vila Jardim Marabá, zona sul da cidade. A água encanada chegou há pouco no bairro, e a eletricidade ainda depende de ligações irregulares para dar as caras. Apesar das condições precárias, deixar de abrigar alguém nunca foi uma opção. Por isso, em 2015, o trabalho de assistência ficou ainda mais sério, e o Cantinho começou a buscar regularização junto aos órgãos públicos: já tem CNPJ e está atrás de alvará.
Georgina e os quatro filhos biológicos são naturais de Bagé, na região da Campanha. De família pobre, há mais de 40 anos, mudaram-se para Porto Alegre em busca de uma vida melhor. A matriarca lembra que tinha medo de morar na cidade grande:
– Eu só sabia usar o machado, fazer faxina e cuidar dos outros.
Aproveitando a última dessas habilidades, pendurou uma placa na frente de casa: cuida-se de crianças. Ela pretendia cobrar pela atividade para poder sustentar seus filhos. Com o tempo, o negócio acabou dando espaço ao voluntariado. Algumas pessoas deixavam os filhos com Georgina e nunca mais buscavam.
– Quando me dei conta, estava com 14 filhos: os meus quatro biológicos e mais 10 adotivos. Hoje, o Cantinho da Vó Georgina é um refúgio para a comunidade. É ali que Elisiane Rocha, 32 anos, encontrou moradia para ela e as duas filhas quando se separou do marido. É lá também que a faxineira Angelita Fortes deixa as netas todas as manhãs e vai trabalhar com tranquilidade:
– Se não fosse a vó ajudando a gente, eu não sei o que seria de nós. Confiamos nela para tudo.
Georgina já cuidava dos outros quando sofreu um aneurisma, em 1992. Seus movimentos, fala e memória ficaram comprometidos. Os filhos, então, fizeram uma promessa. Pediram a Ogum, o orixá guerreiro a quem eles têm devoção, que curasse a mãe. Se atendidos, largariam os seus empregos e abraçariam a causa.
– Ele nos atendeu, e até hoje estamos aqui, trabalhando com ela – conta Carla Alves, a mais velha.
A família dedica todo seu tempo ao atendimento às crianças que passam diariamente pela instituição e às quatro famílias alojadas lá. Georgina acorda às 5h e é acompanhada pelas filhas. Até as 6h, organizam as tarefas do dia e se preparam para receber as primeiras crianças. Em sua maioria, são deixadas pelas mães ou avós antes de elas irem para o trabalho. A tarefa de levá-las para a escola, ajudar nas lições e alimentá-las é da equipe do Cantinho, diz Georgina:
– Não tem hora, não tem cansaço e não tem preguiça.
O trabalho é gratuito e depende de doações para continuar existindo. O gasto mensal é estimado em R$ 15 mil. A família vive com a aposentadoria de Georgina, de um salário mínimo, e duas bolsas-família. Além do apoio prestado pela casa de passagem, a família Conceição Alves distribui cestas básicas, roupas e remédios. A única contrapartida cobrada é que os assistidos compareçam às aulas de artesanato e reciclagem oferecidas pelo Cantinho.
– A grande batalha é ensinar essas pessoas a conquistarem sua independência – explica Lilian, outra filha de Georgina.
Nas oficinas, Georgina transforma guarda-chuvas em saias, caixas de leite e jornal em cestos, prendedores em suporte para plantas. Tudo é motivo para despertar a criatividade. E dá conselhos que considera essenciais para a vida, como manter a honestidade e ser feliz com coisas simples.
– Nós fazemos de tudo para ensinar essas crianças a serem crianças do bem.
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