Primeiro, começaram as dificuldades para manusear a caneta com a mão esquerda. Depois, para mover o braço. Cássio Fernando Silva, um então ativo estudante de Administração de Frederico Westphalen, na região Norte, tinha 21 anos quando se apresentaram as primeiras limitações impostas por uma doença degenerativa que divide especialistas.
Hoje, aos 27, suas pernas repousam em uma cadeira de rodas e a fala se desenrola lentamente, enquanto o rapaz trava uma batalha judicial contra o plano de saúde para ser reembolsado por um tratamento em São Paulo ao qual quer dar continuidade. Às 15h desta quarta-feira (6), uma audiência definirá o imbróglio, em um caso que mobiliza a comunidade de Vicente Dutra. Da comunhão, surgiu uma campanha: "Juntos pelo Cássio".
Dos sintomas iniciais, em 2012, até hoje, a família consultou, além de especialistas do Estado, médicos de Santa Catarina e do Paraná, que foram unânimes ao diagnosticarem Cássio com esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença degenerativa sem cura que enfraquece os músculos. No entanto, um médico de São Paulo solicitou, pela primeira vez, uma biópsia muscular. Com o resultado, ofereceu um diagnóstico divergente e uma esperança para o rapaz: sequelas de meningoencefalite bacteriana, um tipo de meningite passível de solução.
A terapia neuromuscular de três anos oferecida pelo especialista paulista envolve um suplemento manipulado e uma terapia multidisciplinar. Mas o custo é alto: R$ 135 mil ao mês. A família conseguiu arcar com quase um ano tratamento, e Cássio chegou a apresentar melhoras na locomoção, na fala, na respiração e na coordenação motora. Mas acabaram os recursos para custear o acompanhamento.
— O tratamento é para ele continuar a vida independente, voltar a estudar, a trabalhar, a se alimentar, a respirar — enumera a mãe, Marilene Antunes, 50 anos.
Cássio solicitou cobertura ao Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (IPE), mas teve o pedido negado. Em nota a GaúchaZH, o plano de saúde afirma que não disponibiliza o tratamento e que não recebeu documentação técnica comprovando que a terapia em São Paulo é a única a trazer melhoras. Acrescentou que, após ter sido citado judicialmente, ofereceu serviço homecare multidisciplinar, mas que a família não anexou ao processo o laudo médico descrevendo os serviços necessários ao tratamento.
Já a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) diz, também em nota, que o IPE nunca negou assistência e que, inclusive, disponibiliza todos os serviços requisitados no serviço domiciliar: fisioterapia motora, funcional e respiratória e acompanhamento por terapeuta ocupacional, fonoaudióloga, cardiologista, neurologista, nutricionista e terapeuta cognitivo. A PGE acrescenta ainda que, para oferecer a terapia, é preciso que a família anexe os documentos exigidos em juízo. Marilene, no entanto, diz que apresentou todas as documentações exigidas e que aguarda o IPE realizar perícia médica com o filho.
Mobilização da comunidade
A comunidade local e do município vizinho de Vicente Dutra, onde Cássio mora, organiza uma manifestação pacífica a favor do rapaz prevista para acontecer uma hora antes da audiência no Foro de Frederico Westphalen, nesta quarta-feira. Três ônibus já foram alugados para ajudar na mobilização. No Facebook, várias pessoas colocaram, na foto de perfil, uma moldura que expressa apoio à campanha.
Fora da região, diversas personalidades já publicaram vídeos em apoio a Cássio, como Duda Calvin, vocalista da banda Tequila Baby, Rafael Malenotti, da Acústico e Valvulados, além de uma série de jogadores e ex-jogadores de futebol, como Perdigão (ex-Inter), Rafael Marques (atacante do Sport) e Danrlei (ex-goleiro e hoje deputado federal).
Cássio demonstra estar emocionado com tanto apoio.
— Para mim, é muito gratificante. Na verdade, dá muita força. As pessoas estão me dando muito apoio. Além de estarem comovidas com a situação, também estão indignadas pelo plano não nos dar uma solução — diz o rapaz, que já deu palestras de motivação em Passo Fundo, Ijuí e Frederico Westphalen.
Relatos dão conta de que praticamente todos em Vicente Dutra e Frederico Westphalen conhecem a história de Cássio. Caroline de Oliveira, coordenadora da equipe de audiovisual do jornal O Alto Uruguai, que circula na região, destaca que o caso sensibiliza porque, antes dos efeitos da doença, o rapaz era um jovem normal, com aspirações típicas de alguém no início dos 20 anos:
— Isso está mobilizando toda a região. E a comunidade acadêmica ficou muito chocada. Para os professores, foi muito triste.
A impressão é confirmada por Magda Ortigara, coordenadora do curso de Administração da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) e ex-professora de Cássio em duas disciplinas. Ela diz que o rapaz chegou a confessar-lhe um sonho: entrar no Salão de Atos da instituição para pegar o diploma. A graduação foi trancada no quinto semestre.
— Ele sempre foi uma pessoa benquista e parceira com todos, antes mesmo da doença. Os amigos nunca deixaram de ajudar. No começo, ficavam na sala com ele no intervalo, davam lanche, levavam ele até a arquibancada durante nossos jogos da Olimpíada do Administrador — conta.