Não foi preciso que a orientadora, a banca avaliadora ou a plateia explicassem o que se viu na sala 701 da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) na tarde desta quinta-feira (26). Cláudio Luciano Dusik, 41 anos, que sofre de uma atrofia muscular espinhal (AME) em estágio avançado e agora ostenta o título de doutor, definiu:
— É como se fosse um milagre.
Cláudio desenvolveu uma interface entre o computador e pessoas com incapacidade motora grave, como a que ele próprio tem. O objetivo é que possam, através de sinais cerebrais transmitidos por uma espécie de tiara com sensores acoplada à testa, digitar em um teclado apenas piscando os olhos. Os movimentos são transformados em letras e formam sílabas e palavras, expressando desejos. "Pesquisa de ponta", destacou a orientadora, professora Lucila Maria Costi Santarosa, que na abertura saudou o aluno como "nosso querido guerreiro, lutador, modelo de pessoa, de superação, que aceita todos os desafios e vai em frente" e pediu que Cláudio fizesse algum sinal caso não se sentisse confortável e necessitasse de uma pausa. Cláudio falou, por quase duas horas, como se nenhuma limitação tivesse.
A apresentação da tese A interação entre interface cérebro computador e sujeitos com incapacidade motora grave para comunicação teve um forte componente emocional. Com slides que exibiam a frase "Acredito, por isso existo", Cláudio, formado em Psicologia e funcionário da prefeitura de Esteio, relembrou sua improvável trajetória de vida – que não deveria ter ultrapassado, segundo previsão dos médicos, os sete anos de idade. Contou à sala lotada sobre as dificuldades para que escolas o aceitassem, os recreios solitários na sala de aula, a alfabetização antes dos cinco anos, as maneiras criativas que os amigos encontrariam mais tarde para incluí-lo nas atividades. Seu passatempo preferido era brincar de pega-pega: uma coleguinha o empurrava em alta velocidade na cadeira de rodas, correndo atrás da criançada. Por vezes, Cláudio se estatelava no chão, o que provocava um alvoroço no pátio – alguns alunos iam prestar contas no SOE, enquanto outros se aproximavam do corpo estendido no chão, atordoados:
— Ele tá vivo? Tá morto?
A narrativa de Cláudio foi também um tributo amoroso à mãe, a professora Eliza Arnold, 63 anos, salientando sua inabalável persistência:
— Minha mãe sempre dizia que a minha presença modificaria a escola, e não a minha ausência.
Sentada na primeira fila, bem na frente do filho, Eliza se levantou mais de uma vez para dar água na boca de Cláudio, que atualmente só consegue mexer os dedos polegares e indicadores.
— Nesta noite eu não dormi — contou ela mais cedo, ansiosa pela tarde memorável. — Ele é a nossa bênção.
Na academia, Cláudio, que utiliza uma cadeira de rodas que se ajusta às deformações de seu corpo, tenta se antecipar às terríveis limitações da AME do tipo Werdnig-Hoffmann, condição de origem genética que causa degeneração de células da medula espinhal e provoca fraqueza e atrofia muscular progressivas, comprometendo os movimentos. Mergulhou, no mestrado e no doutorado, em áreas nas quais não tinha qualquer conhecimento para desenvolver seus sonhos em tecnologia assistiva. Estudou computação, eletrônica, neurociências e engenharia de software.
Cinco anos atrás, a dissertação de mestrado do estudante apresentou o desenvolvimento de um teclado virtual. De lá para cá, o quadro de saúde do doutorando piorou. Àquela época, Cláudio ainda movia, muito pouco, a cabeça e a mão esquerda. Hoje ele perdeu a capacidade de deglutição (come apenas alimentos pastosos, batidos no liquidificador) e, a intervalos de três horas e durante o sono, precisa de um respirador – a mãe o busca no trabalho para o procedimento.
Em seu estudo, Cláudio nomeou como D'Artagnan, Porthos, Athos e Aramis, personagens de Os Três Mosqueteiros, romance de Alexandre Dumas, os sujeitos de sua pesquisa, para resguardar a identidade dos pacientes. Ele próprio, sem planejar, tornou-se um dos avaliados – em 2016, o psicólogo teve uma parada cardíaca e passou dois meses internado em uma unidade de terapia intensiva (UTI). Quase morreu. Ouvia, ao redor, comentários pessimistas: "Esse aí não volta mais". Com uma traqueostomia, impedido de falar e sentindo um desconforto no pescoço, teve a chance de testar sua invenção no hospital. Posicionando na testa o dispositivo Muse Interaxon, pôde dizer, piscando para o teclado virtual: "Pede para a médica ajeitar a cânula da traqueostomia porque tá doendo muito". Foi atendido.
— Pensei: minha pesquisa já foi válida — recordou o autor.
Ao final de sua explanação, Cláudio fez um apelo em nome das pessoas com a chamada síndrome do encarceramento (caso de doentes com esclerose lateral amiotrófica ou vítimas de acidente vascular cerebral que ficam totalmente imóveis, mas ainda intelectualmente ativas) e recorreu ao lema dos mosqueteiros.
— Enquanto a pessoa continuar pensando e desejando, ela está ali existindo. Precisamos que todos nós da área da ciência sejamos "um por todos e todos por um"!
Os integrantes da banca expuseram suas considerações, recomendando pequenos reparos. A professora da pós-graduação da Faced Patricia Alejandra Behar resumiu:
— É uma tese magnífica, como há muito tempo eu não via.
Cláudio foi aprovado com "A com três estrelas", anunciou a orientadora ao pupilo.
Para deleite dos presentes, Cláudio fez um demonstração do equipamento que embasou sua tese. Piscando para o teclado, escreveu: "pós-doutorado", seu provável próximo passo.
— Ele precisa de desafios. Isso dá vida a ele — garantiu a professora Lucila.