No pátio interno do Abrigo Cônego Paulo de Nadal, na Avenida Padre Cacique, uma faixa pendurada em frente a uma das residências estampa com pontos de exclamação o orgulho de um feito inédito entre os cerca de 50 acolhidos do local. É uma homenagem a Adrian Torres, 21 anos, morador do abrigo que será calouro de Ciência da Computação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A comoção não tem nada de exagero. Se em muitos contextos uma faixa de bixo é algo comum, nas dependências do abrigo em Porto Alegre onde vivem pessoas com diferentes tipos de deficiências motoras e cognitivas é evento tão raro que os funcionários não lembram de outro nos 41 anos de existência da instituição.
Paraplégico desde 2013, quando foi atingido por uma bala perdida no pescoço, o jovem tornou-se exemplo de superação, provocando reações emocionadas da equipe que trabalha no local na sexta-feira (19), quando soube da aprovação na universidade.
Adrian também não disfarça a satisfação pelo esforço recompensado, sorrindo fácil ao falar sobre a novidade. Mas, para ele, não houve surpresa. Resultado de um ano dedicado aos estudos, a conquista da vaga na UFRGS (em um curso com 10,08 candidatos por vaga) era esperada.
— Fui bem nas matérias no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), mas mal na redação, então não estava confiante. Mas para a UFRGS, sim — conta.
Com problemas de motricidade na mão em função do incidente, o garoto precisa utilizar um adaptador para conseguir escrever, o que faz com que demore mais para redigir. O problema é levado em consideração pelas bancas avaliadoras, que cedem mais tempo para a conclusão da redação quando solicitado. Envolvido com a prova, Adrian esqueceu-se de reivindicar seu direito no dia do Enem e entregou o texto pela metade. Já na UFRGS valeu-se do tempo extra para elaborar uma redação que mereceu 19 dos 25 pontos dos avaliadores, garantindo seu lugar entre os aprovados.
— Estou achando normal, mas também estou preocupado. É tudo muito novo — conta.
Se o momento é de comemorar, o caminho de Adrian até a UFRGS foi marcado por uma série de eventos conturbados. Retirado do convívio da família anos atrás e encaminhado para um abrigo residencial do governo do Estado, o garoto assimilava uma mudança de rotina quando houve o incidente que tirou seus movimentos do peito para baixo.
— Foi bem difícil. Eu pensei que não ia mais mexer os braços. Nem sabia se ia poder voltar a estudar — recorda.
À época estudante do 1º ano do Ensino Médio, Adrian passou três meses no hospital e teve, de fato, de abandonar a escola em 2013. Também mudou de endereço: passou a morar no Cônego Paulo de Nadal, mantido pelo Estado, onde teria a assistência adequada à nova realidade. Retomou os estudos no ano seguinte, determinado a ir até o fim.
Assim que concluiu o ensino regular foi aprovado em duas faculdades por meio do Enem. Mas, sonhando com uma vaga na UFRGS, resolveu dedicar seus esforços para passar vestibular deste ano. Para manter o foco na prova, cursou o pré-vestibular popular Dandara dos Palmares.
Livre dos compromissos até o começo das aulas, em março, concilia o resto das férias entre o corre-corre atrás da documentação necessária à matrícula, idas ao cinema e sessões de filmes em casa — é fã de histórias de super-herói e terror. Ainda não sabe o que esperar das aulas na universidade, mas já tem planos profissionais para quando concluir o curso: quer atuar na área de TI.
— Já fiz alguns cursos de informática, mas só o basicão. Vi que ia gostar da faculdade e que é um curso que tem futuro — diz sorrindo.