A expulsão do participante do BBB 17 Marcos Harter do programa na noite da última segunda-feira lançou luz sobre um problema que se repete em outros tantos lares brasileiros: os casos de violência doméstica. O cirurgião plástico foi retirado da casa após a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher abrir inquérito para investigar a conduta do médico em relação à participante gaúcha Emilly Araújo, com quem ele mantinha um relacionamento amoroso.
A partir do caso, surgiram algumas questões. Entre elas, o que caracteriza uma violência contra a mulher? É necessária a representação da vítima para que haja investigação policial? Perceber que o relacionamento tornou-se abusivo nem sempre é uma tarefa simples para as vítimas, que, muitas vezes construíram vínculos emocionais e financeiros ou raramente receberam orientações sobre empoderamento.
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Episódios do programa de entretenimento mostraram o médico gritando e apontando o dedo para a jovem, além de Emilly reclamando de dor em alguns momentos em que Marcos segurou a mão da participante. Na segunda-feira, a polícia entrou na casa e constatou indícios de agressões físicas. Como a lesão corporal é um tipo penal que não necessita da representação da vítima, a delegada decidiu abrir a investigação mesmo que Emilly não o tivesse feito.
A violência psicológica e sexual também é considerada crime dentro da Lei Maria da Penha, que defende as questões de gênero, ainda que a maioria das vítimas procure a delegacia quando já sofreu agressão física ou recebeu ameaça de morte. Ela vale para mulheres ou homens que se reconheçam como mulheres.
– Qualquer violência que ocorra no âmbito doméstico familiar ou afetivo e tenha por motivação questões de gênero à mulher são enquadrados na Lei Maria da Penha – explica a delegada Tatiana Bastos, titular da Delegacia da Mulher de Porto Alegre.
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Ciclo costuma evoluir a partir da agressão verbal
No ano passado, 41,1 mil gaúchas registraram boletim de ocorrência por ameaça, 22,5 mil por lesão corporal e 1,4 mil por estupro. Os dados também apontam que 99 mulheres foram mortas por companheiros ou ex-companheiros no Rio Grande do Sul.
De acordo com a psicóloga e coordenadora do Centro Estadual de Referência da Mulher Vânia Araújo Machado, Márcia Guerra, os sinais de que ocorrem episódios de violência muitas vezes são claros, mas podem ser bloqueados pelo envolvimento afetivo. A agressão física dificilmente virá antes da violência psicológica. O relacionamento abusivo costuma evoluir em um ciclo de agressão que evolui da verbal para a física, arrependimento e reconciliação.
– A gente fala muito nos tipos de violência física mas não pensa no contexto da vida diária. É importante observar se o companheiro respeita as outras mulheres da convivência dele e se faz piada com as mulheres na rua. Com o tempo, ele vai dizer que tem ciúmes do teu amigo, do teu colega de trabalho ou até de um familiar. Depois, ele começa a controlar a roupa que tu veste, o que faz, o que posta nas redes sociais – ilustrou.
Segundo a psicóloga, o relacionamento deixa de ser saudável quando se transforma em um jogo de manipulação, poder e chantagem emocional. Isolar a mulher do convívio social e desqualificá-la em público também são sinais de violência psicológica. Conforme ganha espaço, o agressor tende a evoluir para agressões verbais e físicas. Pedir perdão e prometer que a violência não voltará a ocorrer são formas que o agressor encontra para desencorajá-la a pedir ajuda. Por isso, além de encaminhar as mulheres que já se reconhecem vítimas para serviços de assistência social, o Centro Vânia Araújo oferece orientação por telefone sobre os tipos de violência.
– Familiares entram em contato conosco para pedir orientação. A gente tenta fazer com que eles conversem com elas para que venham até aqui ou nos liguem. Algumas ligam e perguntam se o que estão vivendo é violência – contou Márcia.
Saiba como identificar diferentes tipos de violência:
Qualquer conduta que cause dano emocional, diminuição da autoestima, controle das ações e do comportamento, como as listadas a seguir:
– Chantagem emocional
– Humilhação pública
– Vigilância e perseguição
– Constrangimento em público
– Insulto e humilhação com palavras
– Isolamento (privar a mulher do convívio com amigos e familiares)
– Limitação do direito de ir e vir
Qualquer conduta que ofenda integridade ou saúde corporal:
– Puxão ou apertão
– Empurrão
– Beliscão
– Bofetada
– Soco
– Mordida
– Arranhão
– Pontapé
– Agressão que pode levar à morte
– Calúnia
– Difamação
– Injúria
VIOLÊNCIA PATRIMONIAL
– Retenção, subtração ou destruição de objetos, bens, valores, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, incluindo os destinados a satisfazer as necessidades.
– Quando o companheiro é responsável pela renda familiar e usa o dinheiro como punição, deixando de pagar ou comprar algo importante para o bem-estar dela e dos filhos.
Tipificação dos crimes dentro da violência doméstica
– Ameaça
– Vias de fato (toque violento, seja ele um beliscão ou um tapa)
– Maus-tratos
– Perturbação da tranquilidade
– Injúria
– Difamação
– Calúnia
– Lesão corporal
– Estupro
– Tentativa de feminicídio
– Feminicídio
– Além desses, podem haver outros delitos ou contravenções. Qualquer violência que seja no âmbito doméstico, familiar ou afetivo e tenha por motivação questões de gênero à mulher é enquadrada na Lei Maria da Penha.
– A polícia pode abrir inquérito sem representação da vítima em casos como a lesão corporal e vias de fato. Depende da definição de cada crime no Código Penal.
O que é importante observar no comportamento do companheiro:
– Se desrespeita as mulheres com piadas
– Se desrespeita mulheres da convivência (mãe, irmã, amiga)
– Se sente ciúmes dos amigos, colegas de trabalho ou de familiares
– Controla a roupa que veste
– Controla as mensagens no celular e as postagens em redes sociais
– É uma emergência? Disque 180
– Precisa de um encaminhamento? 0800-54-10-803
– Precisa registrara ocorrência? Procure uma Delegacia da Mulher ou qualquer delegacia mais próxima
Detalhe ZH:
A Lei Maria da Penha acolhe apenas os gêneros femininos (mulheres ou homens que se reconhecem como mulheres). Nos casos em que a mulher é detentora do poder no relacionamento, os homens podem registrar a violência pelos meios convencionais. O crime, seja ele ameaça, vias de fato ou lesão corporal, será enquadrado na tipificação conforme o Código Penal.