Poucas relações no futebol começaram tão bem e terminaram de maneira tão desagradável para todos quanto a do Grêmio com Ronaldinho. O período de Carnaval é altamente propício para lembrar isto, pois foi num desfile carnavalesco que ficou escancarada em 2003 uma ruptura que teria um capítulo ainda mais forte e definitivo em 2011 quando o jogador desistiu de retornar ao clube e foi para o Flamengo. Entremos na máquina do tempo voltemos 18 anos. O cenário é a avenida Augusto de Carvalho, antigo local dos desfiles das escolas de samba de Porto Alegre.
Na passagem de 4 para 5 de março de 2003, Porto Alegre viveu seu desfile das escolas de samba do Grupo Especial. O ponto alto do Carnaval da capital gaúcha chegou com as tradicionais disputas e rivalidades carnavalescas, mas levou para a avenida uma desavença particular, quase pessoal do futebol. Era o ano do centenário do Grêmio que, por ,motivos mais do que lógicos, foi o tema da apresentação dos Bambas da Orgia, a mais antiga escola porto-alegrense e reluzente em seu azul e branco. Com total apoio do clube, inclusive financeiro, os Bambas desenvolveram o trabalho de concepção e execução do enredo "No caminho uma bola, dentro da bola o sonho azul de um Grêmio vencedor". Havia, porém, uma restrição imposta pelos dirigentes tricolores: o ex-jogador gremista Ronaldinho não figuraria na apresentação, seja na letra do samba, nas alas ou nos carros alegóricos. A ideia era não exaltar alguém que deixou do antigo Estádio Olímpico com fama de traidor por ter negociado diretamente com o Paris Saint Germain dois anos antes. Em síntese, o atleta, já consagrado internacionalmente, campeão do mundo pela Seleção Brasileira, considerado um dos maiores craques do planeta estava alijado da história de 100 anos que foi contada.
Sem Ronaldinho no desfile dos Bambas da Orgia que saudou o centenário do Grêmio, a escola Estado Maior da Restinga já havia decidido fazer sua homenagem particular ao então atleta do PSG. Frequentador da comunidade e torcedor da Tinga, o jogador que já era uma celebridade mundial originou o enredo "Vida e arte de um pequeno ser que cresceu nas glórias de um gramado para o Mundo: Ronaldinho Gaúcho". A curiosidade é que também havia restrições impostas para contar a história do personagem. Dessa vez foi a família que impôs que a biografia do craque não incluísse o passado gremista, valorizando apenas as glórias e sua consagração internacional. Assim foi feito, embora até hoje haja queixas de integrantes da escola de que a ajuda financeira prometida pelos familiares foi apenas parte do que se esperava pelo cumprimento da condição imposta. Além disso, o homenageado não pode participar da homenagem em função dos compromissos profissionais.
As duas escolas passaram na avenida. Os Bambas da Orgia apresentaram um Grêmio sem Ronaldinho, mas mostraram carnaval de grande qualidade estética, bom samba e muita comunicação com o público. A consequência natural foi um título sem contestação. Já a Restinga teve grandes problemas de execução de seu desfile, evidenciando dificuldades de orçamento e pecados técnicos surpreendentes para uma escola do seu porte. Sem a presença do homenageado, houve quebra de expectativa e empolgação nos próprios componentes da agremiação e o Ronaldinho que não mostrava o Grêmio em sua história acabou rendendo um rebaixamento para a Tinga.
No ano do centenário do Grêmio, com o futebol passando por dificuldades, o título do Carnaval, através dos Bambas, foi o único conquistado pelo clube. Já a Restinga foi rebaixada pela primeira e única vez em sua história, mas Ronaldinho, ainda em 2003, foi adquirido pelo Barcelona, onde viveria tempos gloriosos. Coisas de Carnaval e futebol.