Pode parecer contradição ou incoerência. Numa mesma entrevista em que se autodenomina um "ladrão de ideias" por aproveitar ensinamentos e adaptações de treinadores de clubes para usar determinados jogadores na Seleção Brasileira, o técnico Tite se propõe a colocar em campo atletas em posições em que não estão acostumados a jogar. O caso em questão é o de Everton, ex-atacante do Grêmio, consagrado atuando pelo lado esquerdo e que vai enfrentar a Bolívia nesta sexta-feira (9) no setor direito.
Não é de hoje que Tite quer usar o Cebolinha na direita. Nas primeiras convocações, havia uma concorrência direta e impossível de ser vencida com Neymar. Na Copa América, o jogador do PSG não estava, e coube a Everton explodir para o mundo com seus dribles e gols no seu lado costumeiro, onde já era destaque no Grêmio.
A novidade para 2020 foi que Neymar passou a atuar por dentro no seu clube, algo que não foi necessariamente seguido na Seleção. Lá, esteve Everton em todos os treinamentos pelo lado direito, mesmo que o dono da camisa 10 tenha se machucado.
A opção de Tite, inclusive com outra inversão, a de Éverton Ribeiro — que atua no Flamengo pela direita e vai atuar provavelmente pela esquerda —, se mostra estranha.
A explicação do técnico é de que ele sabe que Everton Cebolinha já jogou no Grêmio pelo setor direito, o que realmente aconteceu. Isto, entretanto, nunca fez grande sucesso. A ideia de um destro pela direita e um canhoto na esquerda, segundo o treinador, "abre o campo".
Tite tem crédito e moral para experimentar a estratégia. Isto é reforçado quando recebe a aprovação dos jogadores em questão. Por mais estranho e menos testado que possa ter sido, vale ser utilizado, desde que os jogadores que estarão em setores invertidos contem com a compreensão em caso de dificuldades. Esta é outra garantia dada pelo comandante, sem a qual estariam os atletas expostos a um risco grande.
A experiência é valida. Premia, no caso de Everton, o maior destaque do futebol brasileiro nos últimos dois anos. É também um desafio a mais para Tite, que, por mais que seja alguém consolidado e consagrado, não abre mão de uma ousadia.
Sua explicação para a decisão pode até não ter convencido a todos, mas se sabe que foi dada com uma convicção que surgiu desde as primeiras convocações do Cebolinha. É bom começar assim as Eliminatórias. Quem sabe sejam fluidos de um Zagallo há 50 anos, quando alterou posições originais para que os melhores jogassem e criou o maior time de todos os tempos.