Sem jogos aos domingos, recordação da final da Copa de 2002 mexem com o emocional do brasileiro. Os dias de isolamento e a tensa realidade atual tornam as pessoas mais sensíveis. A falta de futebol ao vivo cria uma saudade no torcedor e um vácuo em quem trabalha no esporte. A reprodução de antigos e marcantes jogos ajuda a passar o tempo e nos remete a recordações. Foi o caso deste domingo (12), quando a RBS TV reprisou a final da Copa do Mundo de 2002, a vitória da Seleção Brasileira sobre a Alemanha em Yokohama, nosso último título mundial.
Vivi aquela decisão da maneira mais intensa possível. Depois de quase 40 dias trabalhando no Centro de Imprensa em Seul, longe dos estádios e muito envolvido em produção e edição, fui chamado às pressas para cobrir no Japão a final e reforçar a equipe da Rádio Gaúcha. O que já estava bom, ficou melhor. Uma nova Copa começava para mim na antevéspera de uma final que teria o Brasil.
A ida para o Japão foi totalmente improvisada, sem passes-livres para os trens, com carona no quarto do hotel em que estava nossa equipe e a Seleção, sem credencial com direito a entrar no estádio, mas com total disposição e empolgação. Durante a primeira noite, nem uma dor de dente ou um terremoto — sim, teve um leve terremoto em Yokohama na antevéspera do jogo — me tiraram a euforia.
O sábado foi de ver no saguão do hotel os jogadores brasileiros se misturando com torcedores, numa confiança que só fazia aumentar a convicção de que veria o Brasil ser campeão em meu primeiro jogo de uma Copa do Mundo num estádio. No último treino a entrada foi clandestina em função da limitação de minha credencial. Vieram entrevistas, o acotovelamento da zona mista e a noite, desta vez sem dor de dente, sem terremoto e sem sono. Não há como dormir na véspera de uma decisão de mundial com a Seleção Brasileira em campo para ser penta.
Choro
Até a bola rolar, o trabalho era com a torcida, fora do estádio. Na hora do jogo, em função da credencial limitada, foi hora de torcer. Com ingresso de cadeira fui subindo a escada para meu local e, no momento em que comecei a ver o gramado, os times, lá no campo, também apareciam ao som do hino do mundial. Mais de um mês de naturais tensões profissionais se acumulavam e misturavam-se a outros tantos anos de paixão pelo futebol e pela Seleção que conheci através da TV na maravilhosa Copa de 1970. Misturou tudo e não houve como conter o choro, muito choro. Não deu para prestar a atenção no hino nacional. Em mais de 30 anos de vida profissional, foi a única vez em que me vi aos prantos e não creio que isto volte a acontecer num estádio, mesmo que os anos nos deixem com a sensibilidade mais acentuada.
Quando a bola rolou, reações de galera. Vibrei, sofri, gritei, xinguei e até abracei efusivamente japoneses que, ao meu lado, vestiam a camisa canarinho sem falar uma sílaba em português. Terminado o jogo, hora de trabalho com o retorno de entrevistas com torcedores, acompanhamento da chegada da delegação campeã no hotel e mais uma noite sem dormir.
O segredo
A receita vitoriosa da Família Scolari em 2002 nunca mais poderá ser usada. É como se tivesse sido rasgada e colocada fora. Felipão tentou repetir em 2014 e não foi possível. O mundo mudou após o penta. A convivência daquela seleção com público, mídia e internamente é algo impossível de repetir. Sinergia e interatividade são palavras adequadas para definir um grupo que estava obstinado, com a faca entre os dentes, mas com um sorriso no rosto e, no caso do treinador, uma cuia de chimarrão nas mãos. Claro que em campo havia um time com três "melhores do mundo", mas nada funcionaria se o clima fora das quatro linhas não fosse tão harmônico. A prova é que, quatro anos depois, seguíamos com três "bolas de ouro" na equipe e fracassamos na Copa da Alemanha.
Saudade
Embora toda a tensão causada pela pandemia, o exercício da memória para matar a saudade tem sido uma boa receita para descontrair e recuperar coisas positivas que já vivemos. Recordar o Penta do Brasil foi um pontapé inicial para uma avalanche de reminiscências que invadirão o universo do futebol, se estabelecerão na saga da disputa Gre-Nal e que passarão por glórias de outros esportes. É tempo de resgatar alegrias com a camisa Canarinho, com Grêmio, Inter, Ayrton Senna, Guga, Daiane, Renan, Oscar, Hortência e centenas de outros para ficar apenas nos brasileiros. Momentos felizes já vividos serão base para uma retomada que promete ser difícil, mas, seguindo estes exemplos, vitoriosa.