Estreio esse espaço falando da Marta. E quando se vai falar de Marta, é bastante difícil escolher uma abertura de texto, um adjetivo, a construção de uma frase. Marta por si só já representa uma imensidão de significados: é a luta pelo esporte, referência, capitania, qualidade, dribles, números e marcas históricas. Tudo isso e muito mais estará personificado em sua última Copa do Mundo com a camisa da Seleção Brasileira.
O ponto inicial está ligado à popularização e profissionalização no seu próprio país. O início de Marta, assim como de outras atletas, foi sem qualquer tipo de estrutura. Enquanto se pedia por melhorias, era preciso lutar contra os adversários e adversidades, ao mesmo tempo.
Quando o Brasil chegou ao vice-campeonato Mundial (a melhor campanha em Copas), em 2007, surpreendendo a todos, Marta foi a artilheira, com sete gols, e a melhor jogadora do torneio. Foi a partir deste desempenho, atrelado ao ouro nos Jogos Pan-Americanos também em 2007, quando mais de 80 mil pessoas acompanharam a Seleção no Maracanã, que a modalidade passou a trilhar outro caminho no Brasil.
A partir dali, a CBF voltou a promover competições femininas. À época, poucas associações esportivas tinham equipes de futebol para mulheres. Uma realidade que ganha novo marco em 2019, quando passa a ser obrigatório aos clubes que disputam a Série A o desenvolvimento do futebol feminino.
Toda vez que Marta se pronuncia, todos os holofotes se voltam para ela. Portanto, também usou do seu próprio protagonismo para elevar o tom e proferir discursos em prol do trabalho e de todas as mulheres que lutam pela modalidade. Em uma das ocasiões, após ter sido nomeada como Embaixadora da ONU Mulheres, foi objetiva:
— Precisamos lutar para que as próximas gerações de meninas tenham condições de trabalho melhores e mais justas.
Tanto na Copa do Mundo Feminina de 2019, quanto nos Jogos Olímpicos de Tóquio, a camisa 10 do Brasil usou chuteiras pretas, sem nenhum patrocínio, com faixa azul e rosa, reivindicando a igualdade de gênero no futebol.
A jogadora, eleita como a melhor do mundo por seis vezes, ajudou a construir uma nova mentalidade para a modalidade. Em 2022, a CBF anunciou que as atletas da equipe feminina receberiam o mesmo que o time masculino em diárias e premiações. Parte deste tratamento se tornou mais igualitário em 2023. Pela primeira vez, o deslocamento da Seleção foi feito em um voo fretado para o Mundial, com um modelo de alfaiataria exclusivo para o embarque.
De forma inédita, a equipe liderada pela técnica Pia Sundhage é formada por 31 profissionais das mais diversas áreas. Há o cuidado de acompanhar cada particularidade das atletas, incluindo um planejamento ginecológico.
O Mundial da Austrália e da Nova Zelândia marcará o fim de uma era e o início de uma nova para a Seleção. O grupo que já não tem Formiga e Cristiane terá o the last dance de Marta. Não será o capítulo final de sua história com o Brasil (já dito por ela mesma), mas o que será e já foi visto nas últimas semanas é parte de seu legado à modalidade. Que os deuses do futebol possam conceder à rainha, em sua despedida, a tão sonhada estrela.