É lindo e reconfortante ver tanta gente pronta para ajudar. Tenho um amigo empresário que ficaria furioso se eu revelasse aqui o seu nome. Passou o fim de semana na água, resgatando homens, mulheres e crianças. Não fez propaganda e nem postou nada nas redes. Fez porque tinha de fazer. Não é caridade. É justiça. Nada contra quem divulga suas boas ações. Elas certamente são inspiradoras e motivam muita gente a colaborar. Mas, fazer é mais importante do que dizer.
Essa rede de solidariedade é comovente. Pessoas abrindo os seus armários e os seus depósitos para estender a mão a quem perdeu tudo. Esses são momentos delicados, altamente emocionais, em que todos ficamos, justificadamente, comovidos. Por isso, explico: o que vou escrever a seguir não pretende diminuir em nada os gestos que estão a acontecer. Mas eles, por mais necessários que sejam, carregam um paradoxo invisível. Meu convite é para uma reflexão, não para um julgamento.
O fato de tanta gente dispor de tantas roupas e objetos que não usa, ou dos quais não precisa, é uma das causas da tragédia que essas roupas e objetos agora tentam mitigar.
Me incluo nisso. Não estou distante do problema ou da solução. Mas...
Se não tivéssemos tantas roupas, eletrodomésticos, estoques e depósitos, o planeta respiraria aliviado. Porque cada coisa que se produz, no modelo que ainda tentamos superar, significa energia, água, emissão de gases, lixo e espaço.
Precisamos, sim, construir diques e estações de água e de energia impermeáveis. Mas, com isso, atacamos os efeitos, não as causas. A contenção, daqui a pouco, será novamente insuficiente, como foi agora o muro da Mauá. Nosso desafio é redesenhar os conceitos de desenvolvimento, de bem-estar e de conforto, para que possamos viver em paz no planeta do qual somos parte. Antes que os foguetes propulsores da nossa metástase a outros pontos do universo não fiquem prontos em tempo para a grande viagem sem volta.
Muita coisa boa tem sido feita. Investimentos em energia limpa, em logística reversa, em sustentabilidade consequente, e não apenas em propaganda. O setor produtivo vem evoluindo e se adaptando, assim como os indivíduos e as instituições.
Mas corremos contra o tempo. E o tempo somos nós mesmos. Continuemos a doar. Mas, depois, teremos de agir com mais velocidade para que o veneno deixe de ser parte do remédio.