A notícia acabou diluída entre o tsunami diário de informações, mas merece uma parada para reflexão. Com amplo apoio, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma lei, sancionada pelo presidente Joe Biden, que pode banir um dos aplicativos mais populares do mundo entre os jovens. O TikTok tem 150 milhões de usuários nos EUA. No Brasil, onde por enquanto os efeitos desta lei não chegam, são cerca de 100 milhões.
Não devemos ser contrários à tecnologia, mas sim à falta de transparência
O pretexto para a aprovação das restrições nos EUA é a ameaça à segurança nacional causada pelo mau uso dos dados dos usuários. O vilão da vez é o conjunto secreto de instruções e regras que fazem o programa funcionar, conhecidos como algoritmo. De acordo com o governo e com os legisladores americanos, o TikTok é, de fato, apenas uma cortina para colher informações que podem ser mal usadas. Se você chegou até aqui no texto, pode estar confuso. Afinal de contas, por que o TikTok é tão mais perigoso do que o Facebook e o Instagram? Todos têm algoritmos secretos, programados sem qualquer transparência e utilizados para fins que apenas uma dúzia de pessoas realmente conhece.
Ocorre que o TikTok é chinês. Os outros, não.
Basta mergulhar meio centímetro abaixo da superfície visível do debate para concluir que a lei americana nada mais é do que uma gigantesca confissão de culpa, uma admissão ruidosa de que redes sociais e buscadores de internet (Google) são, na verdade, algo muito diferente do que diz a sua propaganda. Eles não nos fornecem informações ou ajudam a nos comunicarmos: eles nos surrupiam dados e os utilizam de acordo com os seus interesses, não com os nossos. Mas se a China faz isso, aí é um perigo.
Não devemos ser contrários à tecnologia, mas sim à falta de transparência. E, nesse sentido, embora por caminhos tortos, a decisão do Congresso americano é um ponto de inflexão no debate.
De fato, nada vai acontecer imediatamente. A decisão dá, no mínimo, nove meses para que os chineses vendam sua operação a uma empresa “amiga”. É certo que a polêmica irá parar na Suprema Corte americana. Lá, duas teses se enfrentarão. De um lado, os defensores da liberdade absoluta de expressão. Do outro, os que acreditam que tudo precisa de regras claras para funcionar bem. Mas os entusiastas dessas posições podem mudar quando os envolvidos se chamam “governo chinês, povo americano e Tik Tok”, em vez de “X, Elon Musk e Alexandre de Moraes”.