Perguntei para a minha tia Betty: “O que é isso?”. Ela, com um sotaque já carregado depois de tantos anos vivendo em Tel Aviv, explicou. Era uma propaganda na tevê ensinando como lavar a louça usando pouca água. Eu tinha 17 anos e, morando até então às margens do Guaíba, tive um pouco de dificuldade para compreender. Nos dias seguintes, vi também que os jardins das casas estavam secos. Ninguém regava. Lavar o carro com mangueira na calçada? Um crime.
Meses depois, fui morar em uma fazenda coletiva (Kibutz), onde trabalhei em uma plantação. Vi mangueiras esparramadas pelo chão. Delas iam saindo, em horários específicos, uma gota de água de cada vez, na quantidade exata que a planta precisava, perto da raiz. Tudo regulado pelo computador, a partir da umidade do ar e da terra. Estávamos em 1985, vale lembrar.
Mas o que mais me impressionou, anos depois, foi a leitura do acordo de paz entre Israel e Jordânia. A paz, em si, foi sacramentada em meia dúzia de linhas. Depois, há páginas e mais páginas definindo como seriam usados os recursos hídricos na região.
Lembrei de tudo isso quando vi e comentei, essa semana, no Jornal do Almoço, a seca que se faz sentir em várias regiões do Rio Grande do Sul. E me recordei, por fim, de um entardecer, quando peguei um táxi na mesma Tel Aviv.
Chovia muito. Ao sentar no banco de trás, molhado, puxei aquela tradicional conversa com o motorista: “Que chata essa chuva, né”. Ele me olhou, intrigado, pelo retrovisor. Era um senhor grisalho, com uma voz grave e suave. Falou como quem ensina um filho, com segurança e generosidade: “Não, a chuva não é transtorno. A chuva é uma bênção”. Enquanto os pingos batiam no vidro, tive uma sensação reconfortante e estranha. Aquela voz... aquele senhor... aquela quase oração, ainda mais em hebraico. Na dúvida, eu disse amém. Afinal, ainda mais ali, tudo é possível.