Carne, espetos, sal grosso, lenha e/ou carvão. Parece simples, mas o churrasco vem se transformando em uma arte cada vez mais complexa. Não é saudosismo, mas sim a constatação de um fato: quando nós, que temos mais de 50 anos, éramos piás, nossos pais iam ao açougue e tinham a desafiadora missão de escolher entre cinco ou seis cortes disponíveis: picanha, costela, alcatra, vazio e, para os mais abastados, filé mignon. Além dos obrigatórios salsichão e coração de galinha, para as crianças. Mais um saco de carvão e era isso, com algumas poucas variações. Ser amigo do açougueiro garantia o acesso a “aquele pedaço” que ficava escondido e que justificava a gorjeta extra.
Hoje, meus amigos instalam parrillas em suas churrasqueiras e estocam lascas de madeira perfumada para dar mais sabor ao assado. Os espetos estão guardados no depósito, porque as grelhas viralizaram.
Me lembro que, uns 15 anos atrás, quando eu ainda era comentarista do Gaúcha Hoje, o Antônio Carlos Macedo pegou carinhosamente no meu pé quando eu disse que usava acendedor elétrico na churrasqueira. Era quase uma blasfêmia, coisa de guri de apartamento. Ele me passou uma receita que tinha jornal e uma garrafa de vidro entre seus ingredientes.
Hoje, pastilhas de álcool sólido, aparelhos elétricos de vários modelos e álcool gel para fazer fogo fazem parte da rotina de todos nós. Há conteúdos e mais conteúdos, na televisão e nas redes sociais, com especialistas vestindo aventais brancos e luvas pretas, com as quais executam coreografias para jogar sal rosa do Himalaia sobre seus assados de grife.
Os açougues passaram a se chamar boutiques, ou casas de carne, e a oferta de cortes é ilimitada, com sofisticados nomes em francês e em inglês, cada um com seu tempo de preparo, distância das brasas e intensidade do fogo. Antes, a gente cravava o espeto na carne, colocava a costela mais cedo e mais alta na churrasqueira e pronto. Era aceitável assar junto umas cebolas e um galeto, que em geral era frango, porque achar galeto de verdade era difícil. Quase não havia vegetarianos e vegano era um termo ainda não inventado. Hoje, legumes com shoyu, pimentões amarelos com queijo gorgonzola derretido e salmão (com manteiga e alcaparras) embrulhado em papel alumínio disputam espaço com a proteína animal vermelha nas grelhas.
E está tudo bem.
Continuamos vivos e orgulhosos de sermos gaúchos. O churrasco raiz não morreu, e nunca morrerá. Mas passamos a aceitar outros jeitos de viver a tradição. Porque, na essência, o que importa é o fogo, o carvão, a lenha, a carne, a família e os amigos para conversar. Mas sem se distrair mais de dez segundos, senão o pãozinho com alho gourmet torra.