Muita gente viu, mas quase ninguém notou uma imagem que fica poucos segundos no ar. O documentário Made You Look (Netflix, 2020) revela uma carta que coloca Porto Alegre no enredo do maior golpe de falsificação de quadros já descoberto nos Estados Unidos. Os cálculos apontam para mais US$ 83 milhões (o equivalente a R$ 456 milhões) em obras supostamente atribuídas a pintores como Mark Rothko e Jackson Pollock, vendidas a colecionadores e museus.
A fraude veio à tona depois que o FBI começou a investigar. Descobriu-se que as telas eram, na verdade, pintadas por um professor de matemática chinês e oferecidas à galeria Knoedler, a mais antiga e uma das mais conhecidas de Nova York, por uma misteriosa intermediária.
Transcorrida uma hora e dez minutos do documentário, é mostrada uma sucessão de cartas e e-mails assinados por críticos e curadores, que reconheceram a autenticidade das pinturas – todos, em princípio, teriam se enganado e não agido com má fé.
Uma das cartas, apresentada como prova perante o tribunal, é dirigida a Ann Freedman, diretora da Knoedler, e pede, em 2007, a cedência de uma tela de Pollock que seria exposta na “Fundação Iberê Camargo” em uma mostra “programada para Porto Alegre na primavera de 2009”. Assinado pelo curador David Anfam, o texto elogia a qualidade do trabalho (falso, descobriu-se depois).
“Essa é uma pintura pequena e magnífica que se somará maravilhosamente à minha seleção”, escreveu. Para os advogados de defesa da galeria e de Freedman, os elogios do especialista comprovariam que não houve má fé de seus clientes, que teriam, assim como Anfam, sido enganados, apesar da experiência e da qualificação de décadas no mercado.
Anfam se refere também ao projeto do prédio da Fundação Iberê Camargo, do arquiteto português Álvaro Siza.
No fim, a exposição em Porto Alegre que teria o Pollock falso não aconteceu, revela um ex-integrante da instituição que participou das negociações. Os quadros oferecidos não atendiam às expectativas da Fundação Iberê Camargo que, mesmo sem saber e sem qualquer culpa ou responsabilidade, fez parte de um dos mais rumorosos julgamentos envolvendo o mercado de arte da história dos EUA.