Tenho a sorte de estar cercado por colegas competentes, mas existe um do qual me tornei fã mais recentemente. O Ticiano Osório arrasa nas suas análises e dicas sobre séries e cinema, um serviço essencial nestes tempos de exílio doméstico. A tal ponto, que me tornei chato. Em plena sexta-feira de manhã, mandei um áudio de dois minutos para ele comentando a série alemã Dark, que se debruça sobre os paradoxos do tempo e do espaço de um jeito... alemão: denso, complexo, profundo e, em alguns momentos, só em alguns, impenetrável. Se fosse falada em qualquer outra língua, não teria metade da graça, porque está provado que só é possível filosofar em alemão.
Terminei a terceira temporada na sexta-feira e algo me deixou intrigado. A série, que atravessa diferentes épocas e se propõe e refletir sobre memória, passa por cima de Segunda Guerra Mundial como se ela não tivesse existido. Ninguém tem parentes que lutaram e morreram, não há escombros e nem referências ao conflito planetário que teve a Alemanha no seu epicentro, nem no passado e nem no futuro, mesmo que estejamos, em dado momento da série, em 1953, apenas oito anos depois do fim dos combates.
Sei que tenho uma sensibilidade extra para o tema, porque sou alemão e judeu, ambos com muito orgulho. E concordo que nem todos os filmes, livros e séries alemães precisam falar sobre Hitler. Mas uma produção de três temporadas sobre passado e memória pular por cima do nazismo – zero referências depois de mais de 20 episódios de quase uma hora cada um – não me parece uma opção intelectualmente honesta.
O Ticiano é craque. Era sexta-feira, dia corrido, e eu puxando assunto por WhatsApp. Até que ele me sugeriu: "Por que tu não escreves sobre isso?".