David Coimbra, ao criticar a esquerda brasileira, afirmou que ela se julga moralmente superior a quem discorda de suas ideias. Uma parcela crescente da direita empoderada repete o erro, mas com um argumento diferente: a superioridade patriótica.
Quando cobri as Olimpíadas de Beijing pela RBS, em 2008, uma de nossas guias chinesas se espantou ao me ouvir falar sobre a falta de liberdade no país dela. Integrante da classe média urbana e com curso superior, não conseguia entender a diferença entre criticar o governo e trair a Nação. Tentei argumentar que, muitas vezes, apontar problemas e debater ideias antagônicas é a melhor forma de ajudar. Não insisti. Logo mudamos de assunto. Observo aquele fenômeno, que me pareceu estranho, ganhar contornos cada vez mais nítidos por aqui também.
Uma parcela da população se apoderou do patriotismo, como se houvesse um só jeito de mostrar lealdade e amor pelo lugar onde a gente vive. E como se esse sentimento não pudesse ser inclusivo, abraçando formas diferentes e até divergentes de pensar. A imposição de uma identidade monolítica é um dos pilares do fascismo, embora eu compreenda que, no calor dos acontecimentos atuais, muitos nem se deem conta do erro que cometem.
A crítica é um dever cívico. Em nome do bom senso e do verdadeiro patriotismo, não devemos jamais aceitar essa tentativa de sequestro e de privatização de valores coletivos do país – sejam eles morais ou patrióticos. Tenho tentado argumentar com alguns amigos e conhecidos, sem sucesso. Assim como antes quem apoiava a esquerda se julgava moralmente superior e transformava essa crença em arma de ataque, agora quem apoia cegamente o presidente se acha patrioticamente superior. E investe furiosamente contra quem não faz parte da tribo.
Não generalizo. Há muitos apoiadores de Bolsonaro, inclusive na sua equipe, que compreendem os perigos do combate cego ao diferente. Assim como, entre os que não gostam de Bolsonaro, segue ativa a turma do ataque moral a quem ousa elogiar ações acertadas do governo, como já fiz anteriormente, seja na área econômica, na saúde e na segurança, com o projeto que dava celeridade ao uso de bens e recursos apreendidos de traficantes.
O nosso maior inimigo não é o coronavírus. É o radicalismo, que tem como característica culpar sempre o outro extremo, mas se alimentar vorazmente dele. Os incautos confundem essa tentativa de construção de pontes com "murismo" ou "bom-mocismo". Nada disso. Essa é a única forma racional de salvar o Brasil. Em vez disso, vamos cavando e aprofundando o abismo que divide o país, quando ele mais precisaria estar unido.